A proposta da troika EUA, Grã-Bretanha e Espanha abre caminho ao «consenso» no Conselho de Segurança

Eixo da guerra já decidiu

O projecto anglo-hispano-americano entregue segunda-feira na ONU dita numa página de texto a condenação do povo iraquiano a mais uma brutal agressão.

Dois expedientes assinalam mais este passo dado no caminho da agressão ao Iraque. Em primeiro lugar, o esboço da segunda resolução, embora cozinhado nos EUA, foi apresentado pela Grã-Bretanha e subscrito pela Espanha, com o natural apoio norte-americano. Esta nuance de fazer avançar os aliados mais fiéis não passa de uma manobra de marketing para mostrar à opinião pública que Washington tem companhia para a sua política belicista, e para dar uma ilusão de protagonismo aos seus seguidores. Foi uma encenação desnecessária. Bastava ter visto o ar subserviente de José Maria Aznar a ser recebido por Bush no rancho do Texas para perceber até que ponto o governante espanhol se tornou num pau mandado da Casa Branca. De Blair nem vale a pena falar.

O segundo expediente é mais sofisticado. Na essência, o borrão de proposta agora apresentado retoma o texto da resolução 1441, com excepção das duas frases finais, as que verdadeiramente importam e constituem a resolução: [o Conselho decide que] «o Iraque falhou em usar a oportunidade final concedida pela Resolução 1441» e «vai continuar a controlar a questão». O pressuposto é claro: se o Conselho aprovou por unanimidade a resolução 1441, porque não aprovará esta, em tudo idêntica à primeira, quando os inspectores de desarmamento começam a mudar o seu discurso e a pôr em causa a colaboração do Iraque?

A ser aprovada, a resolução abre caminho à agressão ao Iraque escudada pela ONU.


Dependências


Apesar das reticências da França, Alemanha, Rússia e China a uma segunda resolução, as possibilidades desta vir a ser aprovada são cada vez maiores. Na verdade, basta que 9 dos 15 membros (5 permanentes e 10 não permanentes) a aprovem e nenhum a vete.

Tendo em consideração que a maioria dos membros não permanentes depende da ajuda norte-americana, fácil se torna concluir que a sua posição é «negociável».

A Bulgária, cuja economia está de rastos, falará ao som dos dólares; o mesmo sucede com o Chile, que está refém de um acordo de comércio livre com os EUA; e com Angola, que depende dos investimentos norte-americanos (os EUA são o maior importador de petróleo angolano).

Quanto aos Camarões, ganhou em Outubro um conflito com a Nigéria relativo à rica (em petróleo) península de Bakassi, graças a uma decisão do Tribunal Internacional de Justiça apoiada pelos britânicos e norte-americanos. No que toca à Guiné, um dos mais pobres países de África, recebe uma ajuda de 50 milhões de dólares por ano, para além de assistência militar. O México, que sempre se manifestou a favor de dar mais tempo aos inspectores, depende igualmente dos EUA, país que absorve 85 por cento das suas exportações.

Face a semelhante cenário, que decisão «democrática» pode de facto ser tomada no Conselho de Segurança? A maioria de 9 pode ser encontrada sem dificuldade.

Quanto aos membros permanentes, com direito a veto, está por saber se algum irá até às últimas consequências sabendo que isso não deterá os EUA. É sintomático que nenhum exclua, de forma inequívoca, o recurso à força.

As divergências da França e da Alemanha com os EUA parecem no entanto agravar-se de dia para dia. Enquanto Washington afirma que o Iraque perdeu «a última oportunidade», o eixo franco-alemão, apoiado pela Rússia e pela China, insiste que é possível um desarmamento de «forma pacífica» (ver peça nesta página).

Na região do Golfo estão já 170 000 soldados dos EUA, 30 mil britânicos e dois mil australianos.



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