As ruas devem falar mais alto

Albano Nunes

Regresso da Amé­rica La­tina, da Ar­gen­tina, do Brasil, do Forum So­cial Mun­dial de Porto Alegre, com uma re­for­çada con­vicção. Se "as ruas fa­larem ainda mais alto"(como pro­punha uma co­mu­nista bra­si­leira para as­se­gurar o su­cesso do go­verno de Lula ) é re­al­mente pos­sível forçar o im­pe­ri­a­lismo a re­cuar na sua po­lí­tica ex­plo­ra­dora e agres­siva, é pos­sível im­pedir os EUA de de­sen­ca­dear a guerra no Iraque, é pos­sível al­cançar vi­ra­gens de pro­gresso e so­be­rania.

O quadro so­cial e po­lí­tico la­tino-ame­ri­cano é um exemplo vivo das de­sas­trosas con­sequên­cias das po­lí­ticas neo-li­be­rais , da in­ca­pa­ci­dade do im­pe­ri­a­lismo para dar res­posta aos agudos pro­blemas dos tra­ba­lha­dores e dos povos do con­ti­nente, do fra­casso do re­for­mismo po­pu­lista ou so­cial -de­mo­crata e suas prá­ticas de co­la­bo­ração de classes, de uma ma­ciça re­jeição das oli­gar­quias do­mi­nantes e pro­funda von­tade de mu­dança só pos­sível com pro­fundas trans­for­ma­ções de na­tu­reza anti-mo­no­po­lista.

Um quadro que evi­dencia a crise do sis­tema de re­pro­dução ca­pi­ta­lista e a li­gação es­tru­tural das po­lí­ticas neo-li­be­rais de ex­plo­ração e des­va­lo­ri­zação do tra­balho com o mi­li­ta­rismo e a guerra. Em que avulta o enorme pe­rigo que re­pre­senta uma fuga aven­tu­reira "para di­ante", com os EUA ten­tados a pro­curar na clás­sica saída da guerra, res­posta para a pro­funda crise eco­nó­mica e fi­nan­ceira es­tru­tural em que se de­batem. Mas em que se abrem também reais pers­pec­tivas ao avanço de pro­cessos pa­trió­ticos e pro­gres­sistas como na Ve­ne­zuela ou no Brasil, à der­rota do pro­jecto re­co­lo­ni­zador do ALCA, à de­fesa da paz.

O que a ex­pe­ri­ência da Amé­rica La­tina con­firma na sua imensa va­ri­e­dade de si­tu­a­ções e de lutas é que "quem mais or­dena", quem em de­fi­ni­tivo de­cide do curso da his­tória são os povos e as suas as­pi­ra­ções li­ber­ta­doras, são os tra­ba­lha­dores e a sua luta de classe, são as forças pro­gres­sistas, são os co­mu­nistas e o seu pro­jecto de trans­for­mação re­vo­lu­ci­o­nária da so­ci­e­dade.

Apesar da força bruta de que dis­põem, é evi­dente a in­qui­e­tação e o ner­vo­sismo que grassa no campo do im­pe­ri­a­lismo e da re­acção. O "pen­sa­mento único" abre bre­chas cada vez mai­ores. Re­velam-se reais con­flitos de in­te­resse e con­tra­di­ções no campo do im­pe­ri­a­lismo. Es­talam acesas po­lé­micas e di­vi­sões entre os EUA e vá­rios dos seus ali­ados po­de­rosos como a Ale­manha e a França, eles pró­prios in­qui­etos pe­rante a ar­ro­gância he­ge­mo­nista da ad­mi­nis­tração Bush e aper­tados pelas res­pec­tivas opi­niões pú­blicas. Tudo isto tendo como pano de fundo grandes lutas dos tra­ba­lha­dores e po­pu­lares e, muito par­ti­cu­lar­mente, a ge­ne­ra­li­zada opo­sição à guerra e o cres­ci­mento da luta pela paz nos EUA, na Eu­ropa, na Amé­rica La­tina, em todo o mundo.

É ex­tra­or­di­na­ri­a­mente grave que numa si­tu­ação que está a exigir cla­ri­fi­ca­ções fun­da­men­tais em re­lação ao pro­vo­ca­tório de­safio pelos EUA do Di­reito In­ter­na­ci­onal, Durão Bar­roso, o seu go­verno e a sua mai­oria te­nham es­co­lhido o campo do im­pe­ri­a­lismo norte-ame­ri­cano e da guerra , não he­si­tando para isso em afrontar a letra e o es­pí­rito da Cons­ti­tuição da Re­pú­blica, en­ve­re­dando por uma des­ca­rada sub­missão aos EUA e re­cor­rendo ao mais ras­teiro an­ti­co­mu­nismo no de­bate na As­sem­bleia da Re­pú­blica, quando con­fron­tado pelo Se­cre­tário-Geral do PCP com a sua in­de­fen­sável e ver­go­nhosa po­sição.

Neste quadro, re­vestem-se de acres­cida im­por­tância as ma­ni­fes­ta­ções con­vo­cadas para o pró­ximo dia 15 de Fe­ve­reiro no quadro da jor­nada in­ter­na­ci­onal de luta contra a guerra.

A in­qui­e­tante po­sição do go­verno e a "De­cla­ração dos 8" as­si­nada por Durão Bar­roso, con­firmam a es­treita li­gação da luta contra o im­pe­ri­a­lismo e a guerra com a luta contra a po­lí­tica de di­reita, a de­fesa da so­be­rania e a de­fesa da de­mo­cracia. A guerra não é um mal algo "dis­tante" que con­de­namos mas que só in­di­rec­ta­mente nos diz res­peito. Não, atinge-nos fron­tal­mente. É por isso ne­ces­sário que no pró­ximo dia 15 as ruas de Lisboa, Porto e de ou­tros pontos do país, falem tão alto quanto pos­sível.



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