Justiça justa e pia

Carlos Gonçalves

Este país parece atordoado com os últimos desenvolvimentos das investigações de lenocínio e proxenetismo de menores e de pedofilia, decorrentes de presumíveis crimes semelhantes e conexos na Casa Pia de Lisboa.

No fundo, era previsível a desorientação, face à notoriedade dum recém detido preventivamente e ao inopinado das detenções, dois dias após o Procurador Geral Souto Moura ter dado um sinal de «normalidade» no «caso» mais mediatizado. E são naturais a comoção e as ondas de choque, de condenação ou de solidariedade, que se desencadearam, e que o inevitável «voyeurismo» de certos «media» empurrou e instrumentalizou.

Esta é uma situação nova, em que o peso dos fenómenos de mediatização da justiça coloca um quadro de massiva e apaixonada condenação ou inocentação mediática, com consequências sérias e relevantes para o futuro da Justiça no nosso país.

Se as decisões já tomadas pelo Juiz de Instrução, Ministério Público e PJ - que são legímas e têm de ser justas e adequadas por princípio - se viessem a revelar injustas ou improcedentes, para além das consequências gravosas para os cidadãos envolvidos, confrontariam o Estado de Direito Democrático com a mais monumental campanha da direita populista e retrógrada contra a independência da acção penal e dos Tribunais.

Por isso, dum ponto de vista democrático, a questão que está colocada, não é a de tomar partido a favor ou contra este ou aquele cidadão, num qualquer julgamento ou branqueamento mediático ou de opinião pública. A questão essencial é fazer justiça justa às crianças traficadas e abusadas sexualmente na Casa Pia e julgar os criminosos e os que encobriram o crime, por mais alto que se acoitem. A questão é estar do lado da Justiça, duma justiça eficaz, célere e justa, que respeite os direitos e garantias dos cidadãos, presumivelmente inocentes até trânsito em julgado de decisão condenatória, mas de facto iguais perante a Lei. A questão é defender uma Justiça independente e democrática, contra os projectos recorrentes da direita para a sua instrumentalização e defendê-la dos seus próprios erros, se fôr caso disso.

E há uma outra questão «pia» e de fundo, a da prevenção do abuso sexual de menores, pela melhoria da lei processual e penal, e sobretudo pela promoção dos Direitos da Criança, do lado dos mais desfavorecidos, construindo avanços civilizacionais - educação, cultura, dignidade, justiça e transformação social.



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