Maioria fica-se pelas palavras
O PCP, em projecto de lei, deu um novo contributo para o efectivo combate ao branqueamento de capitais. A maioria de direita, que diz pugnar pelo mesmo objectivo, ao chumbá-lo, mostrou uma vez mais a distância que vai das palavras aos actos.
O projecto do PCP, inviabilizado pelos votos do PSD e do CDS-PP, previa a criação de uma coordenação institucional entre representantes de entidades como a Procuradoria Geral da República, a Polícia Judiciária, entidades supervisoras do sistema financeiro e várias entidades fiscalizadoras, tendo em vista a «troca de informação e coordenação de actividades contra o branqueamento de capitais».
Previsto no articulado do diploma era ainda a instituição de um programa nacional com o objectivo de prevenir a criminalização da economia e a criminalidade organizada, através da constituição de uma comissão no âmbito do Estado.
Desculpas de mau pagador
Inconsistente, no mínimo, é o que se pode dizer da argumentação da maioria para justificar a sua recusa às propostas da bancada comunista. Que seria criar mais uma estrutura, que estruturas já temos muitas, que esta era, no fundo, uma medida «pontual». Foi mesmo dito que a aprovação do diploma representaria «um pesado encargo para a despesa pública e maiores dificuldades para a economia em geral».
O que motivou uma reacção enérgica do deputado comunista António Filipe. «Apesar de o Governo se declarar empenhado no combate ao branqueamento de capitais, está agora a arranjar desculpas de mau pagador», acusou.
Destino diverso teve o projecto de lei do PS, também sobre a luta contra o branqueamento de capitais, embora com alcance limitado, que foi aprovado com votos favoráveis dos socialistas, PCP, BE e PEV, tendo a abstenção do PSD e do CDS-PP.
Vontade política
Demonstrada no decurso do debate foi a ideia de que os fracos resultados obtidos no combate ao branqueamento de dinheiro proveniente do crime organizado não se compaginam com a unanimidade de princípio que existe quer quanto à dimensão e gravidade do fenómeno quer quanto à necessidade de lhe fazer frente. «Não basta repetir até à exaustão que o branqueamento de capitais é extraordinariamente difícil de controlar. É preciso reflectir sobre o que permite que o branqueamento seja tão fácil e faz com que o seu controlo seja tão difícil», observou António Filipe, que não teve dúvidas em concluir serem «múltiplos e poderosos» os obstáculos a um combate eficaz.
Ora se os «resultados são escassos» - e não é por falta de convenções e resoluções internacionais, como afirmou – , a questão permanece devido sobretudo a factores que se prendem com a não colaboração entre os Estados e com a sua própria complacência em relação ao funcionamento de mecanismos financeiros que propiciam o branqueamento de capitais, como sejam os paraísos fiscais.
O que levanta aquela que é, porventura, a questão central nesta matéria: a da vontade política. «Vontade de combater o crime organizado, doa a quem doer. Vontade de fazer cumprir as determinações constantes da lei e das convenções internacionais sobre branqueamento de capitais. Vontade de dotar as instituições responsáveis pela prevenção e pela repressão da criminalidade dos meios materiais e institucionais necessários para uma acção eficaz e proactiva», como referiu António Filipe.
Acção esta que implica forçosamente, foi ainda salientado, «coordenação e troca de informações entre as diversas entidades que têm obrigações a cumprir na prevenção da criminalidade económica e financeira». Exactamente o que propõe o PCP. Precisamente o que a direita parlamentar não aceitou.
Crimes impunes
No domínio do branqueamento de dinheiro proveniente do crime organizado há alguns factos que são unanimemente reconhecidos. Lembrados pelo deputado António Filipe, no decurso do debate, foram alguns desses factos:
- envolve somas de dinheiro verdadeiramente astronómicas;
- as operações de branqueamento de capitais relacionam-se, por definição, com as actividades criminosos mais poderosas, lucrativas e organizadas;
- combater o branqueamento de capitais é combater o tráfico de droga, de pessoas, de armas, o terrorismo ou a corrupção;
- as operações de branqueamento processam-se, também por definição, utilizando a economia e o sistema financeiro legal e beneficiando dos mecanismos de desregulação, de evasão fiscal e de sigilo que são indissociáveis da globalização neo-liberal;
- o combate ao branqueamento de capitais, não obstante a existência de mecanismos legais preventivos e repressivos tem-se revelado em larga medida ineficiente;
- os maiores criminosos internacionais continuam impunes e a beneficiar da cumplicidade objectiva de respeitáveis instituições.
Polvo gigantesco
Mais de 50% dos fluxos financeiros mundiais, segundo estimativas recentes, transitam por paraísos fiscais. Esses fluxos, há 30 anos, representavam apenas cinco por cento. O dinheiro branqueado em paraísos fiscais está avaliado em 5 mil milhares de milhões de dólares anuais, através de 4500 bancos e de milhões de sociedades «fantasma».