Posição do Governo deixa antever que mais casos destes poderão acontecer no futuro

Clark ou a falência de um modelo

Depois da C & J Clark, a imprensa fala de muitas outras empresas onde situações semelhantes poderão ocorrer. No fim-de-semana, vieram à baila a Elefanten e a Yazaki Saltano. Os sindicatos acusam patronato de explorar a «crise».

Depois de um ano de 2002 marcado pelo encerramento de muitas unidades industriais do ramo das confecções, 2003 começa com a deslocalização de uma grande empresa do sector do calçado, contraditoriamente um dos mais rentáveis a operar em Portugal. A multinacional inglesa C & J Clark obteve, no biénio 2001/2002, lucros da ordem dos 285 milhões de contos. A fábrica portuguesa era mesmo das mais produtivas do grupo. A ofensiva no sector começou antes, nomeadamente na Rhode e na Ecco.

No fim-de-semana, foram levantadas dúvidas acerca da permanência em Portugal da fábrica de calçado Elefanten, sediada em Vila Nova de Gaia, e da manutenção dos seus 700 postos de trabalho. Não tendo ainda sido tomada nenhuma iniciativa tendente a qualquer despedimento, os motivos de preocupação são grandes pois esta empresa é propriedade do grupo C & J Clark.

Também os trabalhadores da Yazaki Saltano, multinacional japonesa que produz componentes eléctricos para automóveis, foram, no fim-de-semana, assolados por dúvidas e receios em relação ao futuro. Com cerca de 5 mil trabalhadores no total das suas duas fábricas, em Gaia e Ovar, a Yazaki não esclareceu o que pretende fazer, mas especula-se que queira livrar-se de 2 mil trabalhadores. Não se conhece a origem da «notícia», mas os sindicatos desconfiam da sua veracidade. Nos últimos anos, a multinacional japonesa forçou centenas de trabalhadores a rescindirem os seus vínculos. Só no último ano foram 300. Segundo parece, não há redução de postos de trabalho. Segundo diversos sindicalistas, a empresa substitui os que saem por trabalhadores temporários, sem qualquer vínculo. Os sindicatos alertam para uma manobra patronal com vista a forçar as rescisões «amigáveis» (ver texto ao lado).

E o Governo, nada!

Entretanto, os trabalhadores da Clark de Castelo de Paiva mantêm a sua luta contra os despedimentos e realizaram mais uma grande manifestação no passado dia 17 pelas ruas do concelho, na qual esteve presente uma delegação do PCP, composta por dirigentes locais e pelo deputado Bruno Dias. Os trabalhadores levaram os seus filhos e a população da vila saiu para prestar apoio. Apesar da fábrica ser o maior empregador do concelho e dela dependerem 2 mil pessoas, muitos dos que se juntaram ao protesto nada tinham a ver com a Clark. A instalação da fábrica acabou por beneficiar o comércio e outras actividades. Após o encerramento das minas do Pejão em 1994, que deixou 400 desempregados, a entrada em funcionamento da Clark, mesmo a pagar baixos salários, foi bem recebida. Agora, vai-se embora deixando quase seiscentos trabalhadores – e muitos casais – sem trabalho. E agora? Espera-se a instalação de outra qualquer Clark ou inverte-se o modelo de desenvolvimento seguido? A esta pergunta o Governo já parece ter respondido, por intermédio do ministro da Economia, que reagiu com «naturalidade» à decisão da empresa. Não se prevêem, portanto, grandes alterações.

Quanto a Bagão Félix, continua a tentar capitalizar a situação a seu favor, insistindo na tese de que esta situação prova a suposta necessidade da adopção da nova legislação do trabalho que pretende aprovar. Não conseguiu. Em Castelo de Paiva, a realidade mostrou, da pior maneira, que a possível entrada em vigor de uma legislação mais precarizadora nada resolve. E os trabalhadores, muitos dos quais empunhavam cartazes de repúdio pelo pacote laboral, sabem-no.


«Cenário de crise» serve patrões


O secretário-geral da CGTP, Carvalho da Silva, responsabilizou o Governo pelo «clima de desgraça» que se vive no País. Afirma o dirigente sindical que este clima está a ser aproveitado pelo patronato para exercer pressão sobre os trabalhadores de modo a obterem rescisões negociadas dos contratos de trabalho com o objectivo da redução de despesas com pessoal. «Não há patrão que não aproveite este clima e invoque a crise», afirmou, considerando que a situação da indústria portuguesa não é tão má como os patrões querem fazer crer.

Carvalho da Silva, que falava no final de uma reunião da Comissão Executiva da CGTP, realizada no Porto nos passados dias 19 e 20, deu como exemplo deste aproveitamento patronal os boatos postos a circular sobre um alegado despedimento colectivo de dois mil trabalhadores nas fábricas de Gaia e Ovar da Yazaki Saltano. Com estes boatos, considera, pretendem conseguir mais rescisões amigáveis. Só no ano 2002 conseguiram 300, segundo o Sindicato das Indústrias Eléctricas do Norte. «O cenário de crise é aproveitado até ao limite», afirmou.

O dirigente da Inter chamou a atenção para a situação dos distritos do Porto e de Braga, que se estão a atrasar em relação ao resto do País. A taxa de desemprego aumenta mais do que no resto do território, ao mesmo tempo que os salários se afastam da média nacional. Em 1999, as diferenças eram já de menos 7 a 8,4 por cento abaixo da média, situação que se terá agravado.



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