Falagueira

Henrique Custódio

A Quinta da Falagueira é um vasto terreno no concelho da Amadora (consta que o maior espaço devoluto nos arredores de Lisboa), propriedade do Estado e que o Governo de Durão Barroso pôs à venda repentinamente, em hasta pública e em Setembro/Outubro últimos, na conhecida precipitação de obter dinheiro de qualquer modo, alegadamente para cumprir o prometido défice orçamental de 2,8 por cento.

É sabido que a hasta pública desta e de outras propriedades do Estado postas à venda na mesma altura pouco rendeu, dado também poucos (ou mesmo quase nenhuns) interessados se terem apresentado para arrematar as alegadas pechinchas.

Queixe-se o primeiro-ministro de si próprio: com tanto alarmismo sobre a crise e «a tanga» - que, segundo Durão Barroso, terão assolado repentinamente o País – é natural a retracção da malta do dinheiro, sempre à espera das melhores ocasiões. Mas adiante.

O estranho ocorreu nos últimos dias de Dezembro, quando o Estado, através do Ministério das Finanças, formou uma misteriosa «parceria» (o termo é do próprio Ministério) com o empresário privado Vasco Pereira Coutinho - referido como «o maior promotor imobiliário de Lisboa e um dos maiores do País» - para, com ele, adquirir a Quinta da Falagueira pelo preço mínimo determinado na hasta pública.

A partir daqui, é tudo ainda mais estranho.

Nesta misteriosa associação com um empresário privado, o Estado fez outra coisa: nos últimos dias de Dezembro formou uma empresa totalmente com capitais públicos numa longínqua conservatória em Avis, no Alto Alentejo, que teve como único objectivo comprar património ao Estado que este não conseguiu vender na tal grande hasta pública de Setembro/Outubro.

Ou seja, o Governo negociou a Quinta da Falagueira, que era do Estado, vendendo-a a uma empresa também do Estado, empresa que, ainda por cima, foi misteriosa e quase clandestinamente criada no remoto Alentejo com o exclusivo propósito de fazer este «negócio».

Para cúmulo, o promotor imobiliário que é chamado para fazer «parceria» no negócio é, nem mais nem menos, que o irmão de João Pereira Coutinho, o empresário que ofereceu a Durão Barroso e família umas férias de luxo na ilha que possui no Brasil, na recente passagem de ano.

As interrogações amontoam-se à porta deste estranho caso.

Porquê esta pressa em vender a Quinta da Falagueira? Que necessidade tem o Estado de um «parceiro» imobiliário no negócio que, ainda por cima, não gastou um tostão na aquisição? O que é que o empresário vai pagar por esta «parceria»? E o que vai ganhar? Que negócio é este, em que o Estado vende a si próprio bens que, entretanto, entrega a privados para que estes os explorem futuramente a seu bel prazer?

De concreto, o que se sabe é que o promotor imobiliário Vasco Pereira Coutinho evitou para já duas grandes despesas, com esta parceria: uma, a da compra do terreno, dado que foi o Estado a comprá-lo a si próprio por 52,5 milhões de euros; outra, a do pagamento da sisa, que seria bastante pesada.

Também se sabe que este empresário estava há muito interessado neste terreno, tal como se ficou a saber que tudo se resolveu a contento dos interesses da família Pereira Coutinho, na sequência de uma principesca oferta de férias tropicais ao Primeiro-Ministro.

Fora isso, nada mais se sabe. O que é muito grave.



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