O saco
As opiniões que a gente ouve e que a gente lê - não todas, é claro - fazem com que se possa pensar que Portugal se aproxima cada vez mais e aceleradamente dos Estados Unidos e que também por cá a falta de inteligência e de cultura seja o patamar a partir do qual são promovidas as figuras públicas. Por lá, o paradigma é Bush, como o foi Reagan. Por cá, as figuras abundam e ameaçam submergir tudo. Bem pode a RTP encetar o louvável esforço de ensinar a falar português, que nem os seus pivôs o aprendem. Saber não é essencial para amarinhar. Raciocinar chega mesmo a ser subversivo.
Ainda há dias, um distinto constitucionalista - que nem ele escapa a raciocínios extravagantes - queixava-se amargamente ao Diabo - olha a quem! - de que uma aluna sua dizia que «Portugal se tinha tornado independente no século XIX»! Apostamos que tamanha ignorância a não terá impedido de progredir na universidade e mais tarde na carreira. Mas, aparte as lides da cultura geral, também o raciocínio anda pelas ruas da amargura. No outro dia, um senhor da direita que costuma expender opiniões dignas da idade da pedra, acabou por ser promovido. Certamente pelo teor das suas opiniões, Luís Delgado, colunista cavernícola no Diário de Notícias, foi guindado a administrador executivo e director-geral da agência Lusa, o que nos faz temer o pior.
Pois não é que este colunista, dias antes, na TV - eles andam sempre por aí a devastar o mundo com opiniões arrasadoras - exprimindo-se sobre a questão do financiamento dos partidos, afirmara não querer que o seu dinheiro «vá financiar o PCP»?
As opiniões que a gente ouve são deste calibre. O que revela, mais do que um raciocínio defeituoso, um deficiente conceito de cidadania.
Mas não é de admirar. Por aí também anda a germinar a peregrina ideia de que tal financiamento deveria poder ser feito pelas «empresas», carreando-o para um «fundo» - um saco? -, que seria repartido pelas partidos...
A coisa está a ficar cada vez menos transparente. E, na turvação do debate, acabamos por compreender a posição do senhor Delgado. Quanto ao dinheiro dele, não o queremos. Ele que o meta onde quiser.