Reflexões para um debate
O Ministério da Educação pôs em debate um documento que devia ser uma revisão curricular mas a que acabou por chamar reforma do secundário.
No nosso ponto de vista, uma tal reforma deveria contribuir para atenuar as desigualdades que, em virtude das profundas diferenças sociais de origem, os estudantes têm à partida. Tornando as escolas mais bem equipadas e atractivas sob todos os pontos de vista. Tornando a acção social escolar mais eficaz. Adaptando os cursos às necessidades do País e às vocações. Assegurando bandas largas de conhecimentos que permitam a maior variedade de escolhas para o superior. Não recuando para o básico a definição prematura de opções. Reduzindo a carga horária em termos de aulas para permitir a investigação do próprio estudante na escola e fora dela. Mas compatibilizando isso com tempo suficiente para aulas práticas e de laboratório. Não cedendo ao facilitismo, caro a algumas famílias e «gurus», de remontar o sistema de avaliação na base de exames, redutor de uma boa gestão pedagógica dos programas. Mas insistindo na formação contínua dos professores para que disso beneficie a avaliação contínua.
Por outro lado, devíamos reflectir sobre se não seria altura para equacionar a integração no ensino regular de novos perfis dos cursos tecnológicos cujos estudantes por aí querem ficar.
A sensação com que se fica depois de ler este documento é a de que se recorre à demagogia e populismo ou se capitaliza a simpatia de algumas medidas para acentuar a selectividade de classe, na retenção e nos diferentes percursos, e reduzir ainda mais as despesas na Educação, quando este ano os cortes já foram grandes e o atraso crónico do nosso País exige a manutenção nelas de elevadas percentagens do PIB.
Entre o primeiro tipo de medidas incluem-se o fim das provas globais e uma maior dispersão de exames no 11º e 12º anos, uma aparente redução da carga horária, a diferenciação do ensino artístico, uma estrutura curricular com menos cursos e menos especializados relativamente ao que era o projecto do PS ou a criação da Área do Projecto e dos Estágios no ensino tecnológico.
Entre o segundo tipo de objectivos estão a introdução do exame no 9º ano, antecedendo e formalizando aí a hecatombe de selectividade do 12º ano, com o pretexto de se chegar ao 10º com melhor preparação e para que o ensino superior não se ressinta tanto do insucesso escolar anterior. Estão os prejuízos na avaliação contínua e na pedagogia em benefício do «estudar para exames». Não se indicam por que formas se assegura a invocada necessidade de mobilidade entre cursos, sendo de prever que, a partir do 9º ano, se consolidem percursos diferenciados mas estanques, muito determinados pelas condições sociais ou regionais de origem.
Incoerências abundam
Em relação a cursos e disciplinas, importa salientar que continua ainda uma falta de formação de professores, que algumas combinações de disciplinas são incoerentes com os percursos a que poderão dar acesso. Nos cursos tecnológicos são prejudicadas as formações em Física, Química ou Mecânica. A Filosofia desaparece do 12º ano.
É significativo que se não refira a necessidade de investir mais em diversos aspectos para se atingirem melhores resultados. Um ensino de melhor qualidade. A correcção das deficiências da revisão curricular do básico. O reforço dos investimentos nele e no pré-escolar. Ou a formação docente. E se resuma tudo a exames, perfis de cursos, combinações de disciplinas gerais e específicas, cargas horárias, tempo de unidades lectivas, com incoerências de vários tipos que têm que ser corrigidas.
É significativo, também, que se fale de reforma quando o documento só faz alusão a duas das diferentes modalidades oferecidas (ensino científico-humanístico, novo nome dos cursos gerais, e ensino tecnológico), remetendo para documento posterior as restantes três (ensino artístico, ensino profissional, formação vocacional).
Ao mesmo tempo que trata do ensino secundário, o documento também se refere a alterações a introduzir na Lei de Bases do Sistema Educativo, que se passaria a designar por Lei de Bases da Educação e da Formação Vocacional.
O que contempla não permite concluir sobre a vontade de aproveitar recursos e docentes existentes e a formar para montar um verdadeiro sistema de Formação e Educação ao Longo da Vida.
O aumento da escolaridade obrigatória de 9 para 12 anos é objectivo que o PCP há muito defende. Mas não terá condições para ir para a frente com a falta
de investimentos, o insucesso e abandono brutais antes desse limiar, a falta de escolas com qualidade, conforto e equipamentos adequados.
Mas estas, como referimos, são apenas algumas reflexões para um debate que importa alargar.