Os vassalos
Todos os dias nos chegam notícias curiosas do Iraque e dos EUA. No primeiro caso, os denodados inspectores da ONU continuam a não encontrar indícios das armas de destruição maciça que a Casa Branca diz que Bagdad possui, e já começam a dar sinais de irritação por Washington não disponibilizar as alegadas provas, que também garante possuir, da existência do referido armamento. Neste aparente jogo de cabra cega comandado pelos norte-americanos, os inspectores procuram e não encontram, pelo que vão dizendo que necessitam de mais tempo para investigar.
No segundo caso, prepara-se não só o ataque, que ainda se diz não ser inevitável, como também os planos de ocupação para o que candidamente se designa por «viabilizar e democratizar» o Iraque pós Saddam. Ao que consta, parece que a única dúvida está em como e por quem é que vão geridos os campos de petróleo, por acaso as segundas maiores reservas do mundo. Nada que aflija a administração Bush, evidentemente, mas que é necessário ter em conta para não susceptibilizar muito os aliados.
Nem por ingenuidade se poderá pensar que os EUA e a Grã-Bretanha estão a ter todo este trabalho, a mobilizar milhares de homens, a deslocar equipamento e a gastar rios de dinheiro em manobras militares para um destes dias os inspectores da ONU virem dizer que nada encontraram e tudo ficar em águas de bacalhau. Consciente ou inconscientemente, o que de mais importante os inspectores estão a fazer em Bagdad é a ganhar tempo para que a máquina de guerra seja afinada, e a lançar poeira para os olhos da chamada opinião pública internacional.
Há no entanto quem não concorde com esta táctica, temendo que alguma coisa corra mal e que o ataque ao Iraque não chegue a concretizar-se. É o caso do director do Público, JMF, que esta semana se armou em «conselheiro Acácio» e veio dizer ao país e ao mundo que é preciso agir antes que seja tarde. Estabelecendo um paralelismo entre a Coreia do Norte e o Iraque, e entre as políticas ditas de «apaziguamento» de certos políticos da época em relação a Hitler e a aproximação da Casa Branca no mandato de Clinton à Coreia do Norte, o «conselheiro» conclui que o resultado de demoras só pode ser um desastre.
Confundindo a complacência da generalidade das potências ocidentais face ao nazismo com «apaziguamento», JMF vem dizer que é preciso atacar o Iraque, não porque tenha armas de destruição maciça mas porque pode vir a tê-las. É aí que entra a comparação com a Coreia do Norte. Não tivesse Clinton sido um «apaziguador», e a esta hora não haveria a possibilidade de Pyongyang ter tecnologia nuclear. Agora é tarde, diz, perdeu-se a oportunidade de atacar.
Ignorando que Hitler cresceu com a conivência das democracias ocidentais, que foram olhando para o lado e fingindo desconhecer as atrocidades dos nazis até que o monstro lhes entrou casa dentro; relevando o facto de até agora apenas os «democráticos» EUA terem usado bombas nucleares, JMF pede sangue. É preciso atacar o Iraque, diz, para «prevenir» em vez de remediar.
Há mais quem, como JMF, partilhe da mesma opinião. São os chamados amigos do império. São os que ainda não aprenderam que os impérios não têm amigos, têm vassalos.