Imperialismo na guerra da Tchetchénia
A teia que financia a guerra tchetchena do exterior abarca ligações obscuras
Na Rússia, a despedida de 2002 ficou assinalada por mais um acto sangrento na guerra pantanosa da Tchetchénia. O atentado suicida que deixou irreconhecível a sede do governo local em Grozni, provocando dezenas de vítimas, acontece quando ainda permanece viva a memória do desfecho trágico do sequestro de Outubro passado num teatro moscovita perpetrado por um comando tchetcheno, e vem realçar, uma vez mais, as fragilidades da direcção russa na condução deste conflito, decorrentes da condição precária do país nos domínios sócio-económico, político e militar e da estratégia de alinhamento com os EUA na cruzada contra o terrorismo internacional, na sua versão «al-quaeda». O decalque da «guerra global contra o terrorismo» para o conflito da Tchetchénia, seguido por Moscovo, revela-se, porém contraproducente. O fundamentalismo islâmico é um instrumento habilmente manejado pelo imperialismo na sua sanha expansionista. A teia que financia a guerra tchetchena do exterior e lhe fornece os meios necessários à sua subsistência, abarca ligações obscuras que envolvem países, actuais ou antigos aliados dos EUA... O antigo ministro russo da defesa, Sergueyev, foi claro ao acusar, em 1999, os EUA de apoiarem os rebeldes tchetchenos.
Por detrás dos elogios de Bush e Blair à postura «anti-terrorista» de Pútin, que relegaram para um plano secundário as «preocupações humanitárias», esconde-se a estratégia agressiva do imperialismo norte-americano para a região, que visa, em última análise, o domínio e subordinação da Rússia e de todo o espaço pós-soviético.
Na realidade, em torno da guerra tchetchena, que se arrasta penosamente, estão em causa a coesão e integridade territorial da Federação Russa e a estabilidade da sensível região do Cáucaso, mosaico de povos, culturas e religiões e porta de acesso para o Cáspio e Ásia Central, ricos em hidrocarbonetos.
Por outro lado, convém ter presente que a erupção do separatismo tchetcheno é indissociável da derrocada do socialismo e do desmantelamento da URSS. O nacionalismo separatista tchetchene não surge como movimento de libertação, mas inscreve-se como parte integrante do amplo processo contra-revolucionário que se desenvolveu, tendo como pólo centrífugo a Federação Russa de Iéltsin, ainda no seio da URSS.
Nos primeiros anos da década de noventa, os movimentos de «independência» correspondentes a fronteiras nacionais ou, simplesmente, territoriais desenvolvem-se rapidamente, numa altura em que na Rússia se aplica, com os resultados dramáticos conhecidos, a «terapia de choque», no âmbito dos programas de «conversão» acelerada ao capitalismo, elaborados sob a supervisão directa de Washington. A radicalização do nacionalismo tchetcheno no sentido do fundamentalismo religioso, não encontra inicialmente resistências sérias numa Rússia a saque, onde a oligarquia emergia como sujeito maior nos destinos do país. Moscovo não reconhece a independência que Grozni unilateralmente proclamara, mas decide-se pela retirada das tropas aí estacionadas, deixando, contudo, todo o respectivo arsenal militar em mãos das forças separatistas. Mais tarde, em Janeiro de 1994, na ressaca do criminoso ataque à canhoeira, ordenado por Iéltsin, contra o parlamento legítimo da Rússia, o presidente desencadeia uma operação militar contra a república separatista. A questão tchetchena, nos momentos cruciais, foi sempre encarada pelo Kremlin sob a óptica da sua instrumentalização política e económica, tendo, nomeadamente, desempenhado um papel relevante na reeleição de Iéltsin em 1996 e na consagração de Pútin como herdeiro do regime em 1999, acontecimentos que correspondem, respectivamente, ao fim da primeira e início da segunda guerras na Tchetchénia.
Guerra fratricida (e de equívocos) impondo terríveis sacrifícios ao martirizado povo tchetcheno, o conflito na Tchetchénia entra com a Rússia em 2003, constituindo uma ferida aberta num país minado pelas chagas da exploração capitalista, sobre o qual se aperta o anel imperialista.
Os caminhos da paz duradoira passarão, também aqui, por uma alternativa ao neoliberalismo, que resgate a Federação Russa das garras do imperialismo e a restitua na via da independência e do progresso.