G7, a ruína política
É real a existência de divergências e contradições entre potências capitalistas
A Cimeira do G7 de Biarritz foi um monumental show político e mostra narcísica. Todos se recordam do descalabro de 2018 com a reunião das principais potências capitalistas a terminar de forma inédita sem comunicado conjunto, entre insultos pessoais. Desde então, o clima de desconcerto não amainou. É real a existência de sérias divergências e contradições em desenvolvimento, inseparáveis do quadro de estagnação económica e crise estrutural do capitalismo e das profundas mudanças em curso na paisagem mundial com a ascensão económica da China. Macron, o anfitrião, baixou a fasquia, anunciando previamente a ausência de uma declaração final. Vincou o registo «informal» da cimeira e tentou compensar o festival de oportunismo político e a fragmentação de posições face aos temas efectivamente em agenda – incluindo os múltiplos factores de turbulência nas relações transatlânticas, a central questão da China, as guerras comerciais e futuro da OMC, o estado da economia mundial e os sinais de recessão, o Brexit, as relações com a Rússia (em que o ‘convite’ de Trump a Pútin para 2020 coincide com a imposição de novas sanções dos EUA) e o fim do INF, o dossier do Irão, as questões ambientais e climáticas, etc. – com a extensão de convites selectivos a vários países, incluindo a Índia, África do Sul e Austrália, e a aparição do MNE do Irão, à margem do G7. Não são de subestimar os propósitos da démarche de ‘alargamento’ do G7, assemelhando-o mais ao formato do G20, mas sem a saliente participação da China e Rússia, embora esta ateste a crescente inoperância do ‘grupo dos mais ricos’. No final, Macron e Trump exaltaram a atmosfera de «unidade», contudo, longe das câmaras e fotos de família, testemunhas presenciais corroboraram o ambiente de tensão imperante. A generalidade da imprensa mundial sublinhou o isolamento de Trump. Mais do que Trump – cuja emergência não é um acidente de percurso –, o tendencial ocaso do G7 reflecte o próprio declínio relativo dos EUA e o exacerbar da crise no motor do sistema.
Relevantemente, na véspera do G7, a China divulgou o conjunto de contra-medidas a aplicar aos EUA em matéria de taxas aduaneiras, face à escalada da guerra comercial por Washington. A reacção arrogante de Trump, via twitter, é reveladora do alcance da confrontação estratégica com a China do imperialismo norte-americano: na essência, Trump exortou as empresas dos EUA a abandonar a China e declarou mesmo não precisar deste país. Este é um ‘choque vital’ que os EUA jogam em todos os tabuleiros, sem excepção. A situação em Hong Kong mostra a ambição da agenda desestabilizadora acariciada pela Casa Branca. Sob as ameaças de recessão, Trump dispara contra a Reserva Federal, sugerindo que o seu responsável é mais inimigo dos EUA do que a China! Mais do que de insanidade, o aparente surrealismo é sinal de fraqueza. Contrariamente ao bluff de Trump, o investimento produtivo prossegue em queda nos EUA e a guerra comercial multiplica os riscos económicos. O reforço no mainstream do consenso anti-China, acicatado por uma campanha demoníaca, debate-se, numa espécie de síndrome esquizofrénica, com os seus dilemas práticos e o desinteresse do grande capital em romper com a China, dado o seu peso incontornável nas cadeias de produção e valor globais. O que por si só não elimina os imensos perigos da actual situação.