Não confundir o trigo com o joio

Pedro Guerreiro (Membro do Secretariado)

É chocante e inquietante o cortejo daqueles que, como o presidente dos EUA, utilizam a sessão da Assembleia-geral das Nações Unidas para afrontarem, perante o mundo e de forma cínica e hipócrita, os princípios inscritos na sua Carta e normas do direito internacional que devem reger as relações entre os Estados e que visam assegurar os direitos dos povos.

Impõe-se o reforço da luta pela paz e solidariedade aos povos que resistem

Princípios e normas que, recorde-se, foram estabelecidos no rescaldo da Segunda Guerra Mundial, com a derrota do nazi-fascismo e no quadro de uma correlação de forças crescentemente favorável às forças da paz, da libertação nacional, da democracia, do progresso social e do socialismo.

Como igualmente só pode ser chocante e inquietante o cortejo daqueles que com leveza e desfaçatez não só diminuem e escamoteiam as causas, real significado e consequências da política que a Administração de Donald Trump protagoniza e expõe de forma crua – e que na sua essência tem vindo a ser realizada desde há muito pelos EUA, contando antes, como agora, com o apoio e a cumplicidade dos seus aliados –, como denigrem e atacam todos os que objectivamente lhe resistem e que efectivamente confluem na defesa de uma ordem internacional sustentada nos princípios estabelecidos na Carta da ONU e no respeito do direito internacional.

Como outros, Donald Trump refere de forma enganosa e instrumental a soberania e a independência – valores e conquistas dos povos –, ao mesmo tempo que no seu discurso enaltece as gigantescas despesas militares dos EUA, que só em 2017 e 2018 somarão mais de 1400 mil milhões de dólares; elogia os governos mais reaccionários e apoia responsáveis por guerras de agressão e hediondos crimes; promove o militarismo; reafirma e anuncia sanções e lança ameaças contra outros Estados; apela ao incumprimento de acordos internacionais e do direito internacional; fomenta o isolamento e a ostracização de países; procura «baralhar e dar de novo» nas relações internacionais, nomeadamente nas comerciais; chantageia a ONU e retira os EUA de alguns dos seus organismos; reafirma a sua total tutela sob o seu hemisfério; exige a subordinação dos seus aliados; e proclama que «quem não está consigo está contra si».

Defender a paz e a soberania

No fundo, Donald Trump – e os interesses que representa – exalta e ambiciona um mundo que quer determinado e hegemonizado pelo imperialismo norte-americano e que considera estar posto em causa face ao aprofundamento da crise estrutural do capitalismo, ao processo de rearrumação de forças que se desenvolve à escala mundial e à luta dos trabalhadores e dos povos em defesa dos seus direitos, soberania e emancipação.

Por isso, o imperialismo, particularmente o norte-americano, persiste e incrementa a sua ofensiva de modo a contrariar a tendência do seu declínio relativo. Uma ofensiva que, como o PCP tem salientado, é dirigida contra todos os povos e países que defendam e afirmem os seus direitos, soberania, desenvolvimento e independência – e apontada estrategicamente à República Popular da China e à Federação Russa –, tem sido acompanhada, no quadro de crescentes contradições, pela subordinação dos aliados dos EUA à sua estratégia e interesses.

Importa não confundir o trigo com o joio, ter consciência de qual é a principal ameaça e evitar a armadilha em que nos querem fazer cair. Impõe-se o reforço da luta pela paz e firme solidariedade com os que defendem os seus direitos e soberania.




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