Nos 50 anos da fuga de Caxias

Determinação que derruba os mais fortes portões

A fuga de oito destacados dirigentes e militantes comunistas do Forte de Caxias num carro blindado de Salazar, a 4 de Dezembro de 1961, constituiu um rude golpe no aparelho repressivo do regime fascista português e devolveu à liberdade e à luta valiosos quadros revolucionários. Para o êxito desta fuga foi necessária muita imaginação, coragem e firmeza.

A generalidade das fugas das prisões do fascismo foram protagonizadas por comunistas

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«As coisas começaram com o encontro que tive com o José Magro, membro do Comité Central do Partido Comunista Português, depois de uma transferência de sala», conta António Tereso no seu testemunho Fuga de Caxias no Carro Blindado do Salazar, de que são incluídos excertos no recente livro das Edições Avante! 12 Fugas das Prisões de Salazar. As primeiras conversas com o objectivo de arquitectar um plano de fuga deram-se precisamente com esse dirigente do Partido e com um outro, Afonso Gregório, que seria entretanto transferido para o Porto nas vésperas da audaciosa evasão.

Continua António Tereso: «Conhecia-me o José Magro e por isso mesmo me perguntou: “Olha lá, e se tu fosses para a sala dos trabalhos?” Eu não estava a ver como aquilo se podia fazer e não me agradava nada, mesmo nada, passar por rachado e traidor aos olhos dos mais amigos. “E depois?” – disse-me o Magro – “O Partido sabe que não és.” Pois então que se lixe – respondi – O Partido está primeiro.»  

Para se tornar credível como «rachado», António Tereso armou zaragatas com os seus camaradas e escreveu inclusivamente à sua mulher (na verdade, para o chefe, pois as cartas eram lidas antes de serem expedidas para fora da prisão) mostrando-se arrependido da sua ligação ao Partido e desejoso de sair em liberdade.

Ao fim de um tempo – sofrendo com o olhar de desprezo dos seus camaradas – Tereso acabou por entrar na sala dos trabalhos. A sua entrada ali, confessa, «causou estranheza a muita gente», mas era preciso «ir para ali e mostrar-me satisfeito por o ter feito e andar de cara alegre para os guardas e ir até à caserna deles para conversar com os carcereiros e lhes conquistar a simpatia e a amizade».

Fortemente vigiado, foi tentando que os carcereiros o vissem «apenas como um rachado, como o preso abalado nas suas convicções políticas, que queria ter a prisão mais fácil e ir para a liberdade mais cedo por renegar as suas ideias». Com o tempo – e com muito engenho – foi conseguindo passar a imagem desejada. O próprio director Gomes da Silva passou a confiar nele.

Seria precisamente o director a dar uma ajuda decisiva à fuga dos oito comunistas, pedindo a António Tereso que pusesse um Chrysler blindado, que pertencera a Salazar, a funcionar: «Foi como um relâmpago. Em segundos vi logo ali como se ia dar a fuga, como ia transportar todos os camaradas. Que alegria senti!».

Comunicada a ideia aos camaradas mais responsáveis estes aceitaram-na. Fixou-se o dia e a hora. Na manhã de 4 de Novembro de 1961, Tereso e mais sete militantes comunistas evadem-se de Caxias seguindo o plano traçado.

Reconstituímos aqui os momentos essenciais desta fuga espectacular.

  

Obra-prima da inteligência e do engenho

 

Como noutras fugas, o objectivo dos comunistas que se evadiram de Caxias era continuar a luta «cá fora». No prefácio ao livro 12 Fugas das Prisões de Salazar, de Jaime Serra, Jerónimo de Sousa sublinha que os militantes comunistas, ao fugirem das prisões, faziam-no sabendo que isso «significava, quase inevitavelmente, serem novamente presos e submetidos às cruéis torturas pidescas e ao sinistro regime prisional dos cárceres fascistas». Mas faziam-no. Porque a vida dos comunistas na prisão, escreve ainda o Secretário-geral do PCP, «pulsava ao compasso da vida e da luta do seu Partido e do seu povo».

Mas desengane-se quem pensar que fugir da prisão era tarefa fácil ou facilitada por um qualquer afrouxar da vigilância. Pelo contrário, continua Jerónimo de Sousa salientando que regra geral «uma fuga implicava um paciente, perseverante e por vezes demorado trabalho de preparação que, também regra geral, era acompanhado pela direcção do Partido no exterior. Para além disso, tentar fugir das super-vigiadas prisões fascistas era tarefa de alto risco e cheia de perigos, já que as consequências de uma fuga fracassada eram particularmente gravosas, não apenas para os que tentavam fugir, mas muitas vezes também para as suas famílias, sobre as quais a PIDE exercia brutais represálias».

Assim, garante o Secretário-geral do Partido, «qualquer fuga de qualquer prisão salazarista era, acima de tudo, um acto de grande audácia e de grande coragem por parte dos camaradas que a concretizavam – e que o faziam, na generalidade dos casos, com um talento e uma criatividade notáveis». Muitas delas constituem «na sua concepção, preparação e concretização, verdadeiras obras-primas da inteligência e do engenho humanos».

 

Falar de fugas é falar do PCP

 

Na mesma obra, Jaime Serra – que a organiza – escreve na introdução que «falar de presos políticos é evocar as dezenas de milhares de heróicos lutadores antifascistas que combatiam o regime. É falar de simples trabalhadores que, aos milhares, foram perseguidos e encarcerados durante anos, por lutarem pelos seus direitos».

Mas é mais do que isto, destaca o próprio Jaime Serra: «é falar, fundamentalmente, de membros do Partido Comunista Português, o único partido que sobreviveu à ditadura fascista e lutou organizadamente e em rigorosas condições de clandestinidade contra o regime fascista e em defesa dos trabalhadores e do povo português». Isto é comprovável, continua, analisando a composição da população prisional. Salvo em períodos de grande agitação «legal», nomeadamente em torno das várias «fantochadas eleitorais» do fascismo, a «esmagadora maioria» dos presos políticos eram militantes do PCP.

O mesmo se passou com as fugas, realça ainda Jaime Serra, ele próprio protagonista de várias. A generalidade delas, consumadas ou frustradas, foram da responsabilidade do PCP e dos seus militantes. O que não é de surpreender, já que, como prossegue Jaime Serra, pelo tipo de organização que exigia, quer dentro das cadeias quer no seu exterior, fugir da prisão implicava a «existência de uma organização política clandestina no exterior», que só o PCP possuía.


 Fugir para voltar ao combate

 

A fuga de Caxias permitiu que revolucionários experimentados se integrassem na luta que se intensificava a partir de outra fuga bem sucedida – a de Peniche, realizada quase dois anos antes, e que devolveu à liberdade Álvaro Cunhal e outros destacados dirigentes comunistas. No seguimento desta fuga, foi corrigido o desvio de direita no Partido – com sérias consequências na clarificação da sua linha política, da defesa dos quadros e organizações e, como já foi referido, na intensificação da luta.

Dos protagonistas da fuga de Caxias, só Rolando Verdial repudiou o seu passado militante, traindo o Partido e passando a colaborar com a PIDE. Todos os outros mantiveram uma postura digna e firme de revolucionários comunistas, dedicados ao Partido e à luta do povo. Vejamos, em traços largos, o percurso destes corajosos e dedicados militantes:

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António Tereso

 

Visita quotidiana da sede nacional do PCP, António Tereso foi uma figura central da fuga de Caxias. Trabalhador da Carris preso juntamente com outros camaradas da empresa, estava a poucos meses de sair em liberdade – e com tentadoras ofertas de emprego – quando protagoniza a fuga.

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António Gervásio

 

Nascido numa família pobre de Montemor-o-Novo, António Gervásio aderiu ao Partido em 1945, passando à clandestinidade em 1952. Eleito para o CC em 1963 permanece nesse órgão até 2004, tendo integrado também a Comissão Política. Esteve preso cinco anos e meio. Depois da fuga de Caxias assume um papel destacado na conquista da jornada de oito horas pelo proletariado agrícola, em 1962, e após o 25 de Abril participa directamente na Reforma Agrária. Foi deputado.

 

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Domingos Abrantes

 

Membro do Comité Central desde 1963 (e durante vários anos dos seus organismos executivos), Domingos Abrantes aderiu ao Partido em 1954, tendo entrado para funcionário dois anos depois. Integrou ainda a Comissão Central do MUD Juvenil, do qual chegou também a ser funcionário. Em virtude das suas duas prisões passa 11 anos nos cárceres fascistas. Foi deputado entre 1976 e 1991.

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Francisco Miguel

 

21 anos e 2 meses foi o tempo que Francisco Miguel passou nas prisões do fascismo (cerca de nove no Campo de Concentração do Tarrafal). Fugiu quatro vezes. Nascido em Serpa e sapateiro de profissão, aderiu ao Partido em 1932, integrando os vários órgãos dirigentes em diferentes períodos da sua vida. Fez parte da ARA, participando no planeamento e execução de várias operações. Foi deputado. Morreu em 1988, com 81 anos.

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Guilherme da Costa Carvalho

 

Tal como Francisco Miguel, também Guilherme da Costa Carvalho participou naquelas que são, porventura, as duas mais espectaculares fugas das prisões do fascismo: Peniche, em Janeiro de 1960, e Caxias, em Dezembro do ano seguinte. Esteve no Tarrafal e em várias outras prisões, num total de 16 anos e seis meses de cativeiro. Foi durante vários anos membro do Comité Central do PCP. Morreu em 1973.

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Ilídio Esteves

 

Um dos quatro fugitivos de Caxias que está vivo, Ilídio Esteves passou mais de oito anos no cárcere, em sequência das suas três prisões, as duas primeiras de apenas alguns meses – uma por ter sido libertado e outra, a segunda, por ter fugido. Da terceira vez ficou preso sete anos.

Funcionário do Partido desde meados dos anos 50, foi membro do Comité Central durante vários anos.

 

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José Magro

 

Arquitecto da fuga de Caxias, José Magro esteve preso 20 anos e sete meses. Adere ao PCP em 1940, passando a funcionário em 1945. Eleito para o Comité Central em 1956, seria reeleito para esse órgão em todos os congressos realizados até à sua morte, em 1980.

Entre as tarefas que desempenhou, destaca-se a de funcionário do MUNAF e o controlo de organizações partidárias em Lisboa e no Norte. A seguir ao 25 de Abril, assume tarefas em Lisboa. Foi deputado.



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