«Vamos brincar à caridadezinha!»

Margarida Botelho

Na semana em que entraram em vigor os novos aumentos dos preços dos transportes e se aprovou o Orçamento Rectificativo para legalizar o roubo do BPN, o Governo PSD / CDS, preocupadíssimo com a situação social que a sua política agrava a olhos vistos, decidiu lançar espectaculares medidas de combate à pobreza, contidas num aplaudido «Programa de Emergência Social» que, como convém, remete quase tudo para legislação posterior. E o que diz o Programa?

Há fome em Portugal? Alterem-se as regras de segurança alimentar para se poderem distribuir os restos aos pobres. O desemprego alastra? Dêem-lhes micro-crédito para serem empreendedores. Faltam creches? Apertem-se mais quatro meninos em cada sala e já está. As IPSS estão estranguladas? Dêem-lhes uma linha especial de crédito e ponham-se os beneficiários do RSI e do subsídio de desemprego a trabalhar à borla. As famílias estão sobre-endividadas? Dêem-lhes cursos sobre literacia financeira. Não têm dinheiro para os medicamentos? Façam figas para só precisarem de um que esteja quase quase a acabar o prazo e alguém tenha ido deixar à farmácia. Os bancos têm milhares de casas por vender? As autarquias que façam de agência imobiliária. Faltam lares para a terceira idade? Invista-se nas redes solidárias de vizinhança – o que quer que isso seja. É preciso cortar a despesa dos equipamentos sociais? Vendam-se já os primeiros 40, em lista a anunciar brevemente. A pobreza cresce? Crie-se um banco de ideias para promover boas práticas, a ver como é que isso se há-de resolver. A situação é desesperada? Ligue para a linha telefónica de emergência social.

Para os devidos efeitos se informa que todas as respostas acima mencionadas constam da intervenção do ministro Mota Soares, disponível no portal do Governo. Não fomos nós que as inventámos, que não tínhamos cara de pau nem hipocrisia para tanto. Nem a brincar.

Na canção de Barata-Moura que empresta o nome a este artigo, canta-se que determinada alma caridosa «rouba muito mas dá prenda». É um verso que parece feito para estes senhores, não parece?



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