Para lá dos casos
Por mais que os casos envolvendo o primeiro-ministro e outros membros do Governo sejam reveladores da promiscuidade existente entre o poder político e os grupos económicos e de uma governação ao serviço de interesses particulares, não é sobre eles esta crónica. Ou não o é apenas.
A questão é bem mais funda do que estes «casos e casinhos», por mais graves que possam ser (e são!), e o PCP voltou a referir-se a ela no seu último congresso: «Portugal é hoje um país comandado pelo poder dos grupos económicos e das multinacionais.» Ao afirmá-lo, não se referia apenas a negociatas obscuras e relações promíscuas, que existem (ou não fossem intrínsecas ao capitalismo), mas também às privatizações, às portas giratórias entre governos e conselhos de administração e às próprias orientações de política económica, em benefício dos de sempre. Sinais evidentes, em qualquer das situações, da captura do Estado pelos grupos económicos.
O caso da GALP é exemplar. Privatizada desde 2006, a empresa detida maioritariamente pelo Grupo Amorim alcançou em 2024 lucros de 961 milhões de euros, os segundos mais elevados da sua história: maiores só mesmo os mais de mil milhões registados no ano anterior, que por sua vez tinham superado aquele que era, até aí, o «melhor ano de sempre» da petrolífera, 2022, com 881 milhões de euros de lucros amealhados. Por mais que alguma imprensa económica, certamente «independente», tenha destacado as «perdas» verificadas de um ano para o outro, nada apaga a realidade: os últimos três anos foram os mais lucrativos para a GALP, com proventos combinados de quase três mil milhões de euros. Os accionistas, claro, foram devidamente recompensados.
Entretanto, não passou sequer um mês desde o anúncio dos lucros para que se ficasse a saber que a GALP irá «actualizar» – leia-se «aumentar» – o preço da electricidade e do gás natural (em cerca de 4% e 12%, respectivamente), ao mesmo tempo que o custo da botija se mantém elevadíssimo, mais do dobro do que é praticado na vizinha Espanha: a diferença chega a ser entre 16 e 36 euros. E bem podem os indefectíveis do «mercado» tentar colocar as culpas apenas nos impostos – os mesmos, aliás, que se recusam a baixar –, que é a própria Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos a reconhecer que 50% do preço pago pela botija «vai para o percurso entre a saída da refinaria e a porta do consumidor final».
Que tem isto a ver com política? Tudo! A liberalização dos mercados ou a recusa em fixar preços máximos, como há muito o PCP propõe, são opções políticas que servem a acumulação de lucros obscenos à custa das condições de vida das pessoas, da sustentabilidade de muitas empresas (os custos com energia pesam muito mais do que os salários) e da economia nacional.
Até pode ser legal, mas é sobretudo revelador.