Zelensky na Sala Oval, uma premonição europeia
A sórdida conferência de imprensa protagonizada por Trump e Vance, que trataram de humilhar Zelensky perante os olhos do mundo, não nos autoriza a antecipar o fim da guerra na Ucrânia. Aliás, o verdadeiro alvo de todo aquele descaramento, arrogância e fanfarronice não foi Zelensky, mero fantoche com os dias contados, mas os povos da UE: Trump quis dizer-nos, também a nós portugueses, que temos de começar a cortar nos salários, nas pensões, na saúde, na educação, nos transportes, nos direitos sociais, na cultura, para financiarmos a guerra fratricida no leste europeu e, quando os ucranianos ficarem sem homens e rapazes, enviarmos os nossos para a morte.
Esta ideia já tinha sido avançada directamente por Peter Hegseth, secretário da Defesa de Trump, há duas semanas: «A salvaguarda da segurança europeia deve ser uma prioridade para os membros europeus da NATO. Como parte disto, a Europa deve fornecer a maior parte do apoio letal e não letal à Ucrânia no futuro. (…) Isto significa: doar mais munições e equipamento. (…) E, mais importante ainda, ser francos com os vossos cidadãos sobre a ameaça que a Europa enfrenta. Parte disto passa por falar abertamente com os vossos povos sobre como esta ameaça só pode ser enfrentada através de um maior investimento na defesa. 2% não é suficiente; o Presidente Trump apelou a 5%, e eu concordo. (…)»
Os líderes europeus que agora batem com a mão no peito a prometer ruptura com o «velho aliado» que «traiu a Ucrânia» e os «valores democráticos» planeiam fazer exactamente o que Trump lhes ordenou: substituir os EUA na sua guerra suja contra a Rússia e assumir o total da conta.
No mesmo discurso, Hegseth explica-nos porque é que temos de gastar mais em armas e menos em tudo o resto: «Enfrentamos [os EUA] um concorrente à nossa altura: o regime comunista chinês, que tem a capacidade e a intenção de ameaçar o nosso território e os nossos interesses estratégicos no Indo-Pacífico. Os EUA estão a dar prioridade à dissuasão de um conflito com a China no Pacífico, reconhecendo a nossa escassez de recursos». Ou seja, a administração Trump pretende cortar os caminhos do desenvolvimento da China recorrendo à ameaça, à chantagem e à pressão económica e militar. Para canalizar todos os recursos para este propósito, os EUA planeiam redefinir as suas amizades e reorientar a agressão para outras geografias, como a América Latina, contando com os seus vassalos, nomeadamente a UE e Israel, para ocupar as posições imperiais abandonadas.
O alegado choque entre Trump e Zelenslky na sala oval é semelhante ao que supostamente assistimos entre a UE e os EUA: independentemente do grau de espontaneidade ou de farsa, há claramente um único humilhado; independentemente de genuínas e não negligenciáveis contradições de interesses, um lado dará ordens e o outro obedecerá; independentemente de todas as proclamações morais, todos sabemos que classe será atirada para a miséria e para a guerra. Tal como Zelensky é um fantoche comprado, também a União Europeia o é, que sentiu na humilhação de Zelensky uma premonição.