Seminário sobre Carlos Paredes, homem tão enorme quanto a sua criação
A vida, a obra e a militância de Carlos Paredes, que constituíram um todo inseparável, estiveram em análise num seminário promovido pelo PCP no dia 20, em Lisboa, que contou com a participação de investigadores e da sua companheira de arte e de vida, Luísa Amaro.
A obra de Carlos Paredes é inseparável da sua militância comunista
«Não sei se alguma vez se tinha reunido um conjunto tão significativo de personalidades ligadas ao estudo da música em Portugal em torno da figura de Carlos Paredes, mas este seminário será certamente um importante contributo para que as actuais e futuras gerações tenham oportunidade de conhecer aquele que foi considerado um dos maiores guitarristas a nível mundial.» O seminário foi assim caracterizado por Jorge Pires, membro da Comissão Política do Comité Central do PCP, que interveio no encerramento para valorizar o conjunto das intervenções e a importância dos seus conteúdos.
Tratou-se, garantiu, de um «importante contributo para o aprofundamento do conhecimento sobre o homem e a sua obra, tão mais importante quando se ouve e lê, a propósito do centenário, «opiniões que estão muito longe de reflectir com rigor – mesmo com desconhecimento – sobre a verdadeira dimensão da figura ímpar da cultura portuguesa que foi Carlos Paredes».
Por ali passaram alguns dos mais destacados musicólogos e investigadores portugueses nesta área: Ruy Vieira Nery, Manuel Deniz Silva, Hugo Castro e João Carlos Callixto. A apresentação ficou a cargo de Bárbara Carvalho (também ela musicóloga e membro do Sector Intelectual de Lisboa do PCP), para quem comemorar Carlos Paredes exige «aprofundar o conhecimento sobre esse legado e exige dar espaço para que novas expressões musicais ganhem vida» – e que vida musical «tem sido proporcionada a partir da obra de Carlos Paredes»…
Obra e legado a serem estudados
Ruy Vieira Nery foi o primeiro a subir à tribuna, lembrando que Paredes «nasce e cresce numa geração que é uma geração contestatária» que toma consciência de que «não há possibilidade de uma evolução ordeira dentro do regime». Ora, prosseguiu, isso justificou a necessidade de «construir uma nova linguagem entre artistas de vários campos». Carlos Paredes inseriu-se neste movimento, participando até noutros campos artísticos, como o cinema. Não havendo texto nas suas composições, a música de Carlos Paredes escapava a uma identificação política imediata que outros géneros, como a canção de intervenção, não escapavam, prosseguiu Ruy Vieira Nery: «podia-se concentrar numa música que falasse por si própria, que dissesse pelo som aquilo que não podia dizer pelas palavras que não tinha.»
Hugo Castro destacou a participação de Carlos Paredes em inúmeras iniciativas após o 25 de Abril e a actividade que desenvolveu enquanto militante comunista. Lembrou a publicação, após a Revolução, do Manifesto dos Músicos Comunistas e, no contexto das eleições para a Assembleia Constituinte em 1975 – que, curiosamente, eram anunciadas na televisão diariamente com música de Paredes –, o programa de acção Com o PCP pela música em Portugal, da autoria da célula de músicos da ORL. «Neste documento eram abordadas múltiplas formas de representação artística do Partido em diferentes domínios musicais», salientou o investigador, destacando a música ligeira e a ligação às massas, e reforçando a importância da componente artística na actividade do Partido.
João Carlos Callixto conduziu a audiência numa viagem biográfica sobre Carlos Paredes através das várias gravações – as suas, desde logo, mas também participações noutros projectos: «Um dos nomes que já não gravava há uns anos, porque se recusava a entregar os textos para a censura, era o Adriano Correia de Oliveira. Finalmente chegou o álbum, depois de 1974, o Que nunca mais. A guitarra de Carlos Paredes surge em duas faixas.» O investigador permitiu aos presentes entrarem em contacto com novas e criativas formas de reinterpretação da música de Paredes por diferentes músicos, de diferentes gerações e linguagens, o que mostra bem as várias vidas que um repertório tão rico e variado pode ter, ao mesmo tempo que representa uma identidade colectiva partilhada.
A importância de se recuperar o pensamento de Carlos Paredes sobre música, e a sua relação com a política, foi destacada por Manuel Deniz Silva, que recordou a reflexão de Paredes sobre a relação entre a chamada música ligeira e a música erudita. No entender de Paredes, se antes do 25 de Abril havia uma identificação entre a cultura e a intelectualidade, uma unidade entre esses dois elementos que era consensual, o processo de consciencialização popular permitiu outra explosão da capacidade criadora das massas: «No processo revolucionário, as responsabilidades pela evolução da cultura pertencem agora, em partes equivalentes, aos intelectuais e a todos os outros trabalhadores.»
Profundamente comunista
Para além da interpretação de algumas das suas composições, Luísa Amaro conversou sobre Carlos Paredes com Rui Mota, das Edições Avante!. Referiu-se a um homem «profundamente comunista», no que de mais fundo isso acarreta, e garantiu que era entre os seus camaradas que Carlos Paredes mais gostava de estar. Enfrentou a prisão, mas nunca renegou os seus ideais e o seu Partido.
Luísa Amaro contou alguns episódios menos conhecidos, como aquele em que Carlos Paredes se recusou a tocar para uma figura ligada à ditadura, o que muito desagradou a Amália Rodrigues, que o tinha convidado com a intenção de o ajudar na sua carreira musical. Ora, lembrou Luísa Amaro, isso era algo «impensável naquele feitio tranquilo e cordato» que nunca «ofendia ninguém».
Também Jorge Pires lembraria o artista que «dialogava com jovens, aprendia com os mais velhos, tocou com praticantes e deslumbrou virtuosos», que tantas e tantas vezes actuou na inauguração de Centros de Trabalho do PCP, ajudou na realização de iniciativas e que gostava de «caminhar na Soeiro Pereira Gomes porque ali era tão sossegado». Carlos Paredes «é tudo isto ao mesmo tempo, é isso que o torna único e que faz dele um homem tão enorme quanto a sua criação».