Trump, Musk e a vertigem de despedir tudo

António Santos

Trump e os seus amigos bilionários deram início à campanha mais agressiva de destruição das funções sociais do Estado da história dos EUA. Desde que foi eleito, Trump coagiu 75 mil trabalhadores do governo federal a reformarem-se antecipadamente e começou uma campanha de despedimento de 200 mil novos funcionários em período experimental. Trump já foi mais longe e avisou que agências federais inteiras como o Departamento de Educação com 4400 trabalhadores, a Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (USAID), com mais de 10000 trabalhadores e o Departamento para a Protecção Financeira do Consumidor, com cerca de 1600 trabalhadores, serão as primeiras a desaparecer completamente.

O recém-criado Departamento de Eficiência Governamental, também conhecido como DOGE, promete cortar em quase tudo, do apoio alimentar à segurança no trabalho, passando pelo apoio aos veteranos de guerra. A única excepção é a máquina de guerra e o aparelho repressor do Estado: sob o domínio de monopólios como os de Elon Musk, homem mais rico do mundo e chefe do DOGE, o Estado imperialista regressa à sua forma mais crua e despudorada. Já não há nada a esconder: a guerra de classes está declarada.

Os despedimentos obedecem a uma táctica de sabotagem dos mecanismos da democracia burguesa construída nos anos 30 e 60. Musk e Trump não despedem só em massa, de forma caótica e desorganizada, também despedem a dedo: já foram demitidos 17 chefes da supervisão do governo federal, responsáveis pela detecção e investigação da fraude, do desperdício e da corrupção nas mais diversas áreas. Despedimentos entre os juízes da Comissão Nacional para as Relações no Trabalho deixaram a agência sem o quórum necessário para tomar quaisquer decisões e fazer valer a já escassa lei laboral federal. Agora Trump e Musk voltam-se contra o próprio aparelho judicial e avisam que «se salva o país, não é ilegal».

A confusão é generalizada e difícil de acompanhar: num dia Trump auto-nomeia-se director do Centro Kennedy para as Artes, noutro proíbe «ataques ao cristianismo» e no seguinte rescinde, de uma assentada, 78 leis.

No entanto, é importante assinalar que, se Trump pode fazer o que está a fazer, é porque praticamente todas as administrações dos últimos 60 anos lhe abriram a porta. É graças aos cortes orçamentais de Clinton, Obama e Biden que Trump pode convencer o povo dos EUA que as agências federais não funcionam e devem ser suprimidas. É graças aos exemplos de investimento massivo, feito por democratas e republicanos, em agências como a USAID, dedicadas à manipulação da informação, à espionagem e à subversão de Estados soberanos, que o povo estado-unidense autoriza a destruição do Estado social remanescente.

Os trabalhadores dos EUA enfrentam agora tempos sombrios, mas não percamos o optimismo revolucionário: a exposição nua da natureza do capitalismo e do imperialismo encerra o potencial de educação de milhões de trabalhadores; a limitação das possibilidades da luta dos explorados em tribunal promete obrigar o movimento sindical a dar uma nova prioridade às ruas.

 



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