Os tentáculos da USAID: ingerência, subversão e submissão

A USAID, a agência governamental norte-americana sob inquérito e reformulação pela actual Administração dos EUA, está há muito envolvida em acções de ingerência e desestabilização contra vários países do mundo – muitas das quais continuarão a prosseguir, de uma ou outra forma, com ou sem esta agência.

Órgãos de informação, ONG, personalidades, movimentos e forças políticas estão na folha de pagamentos da USAID

Uma das muitas ordens executivas assinadas por Donald Trump desde o início do seu mandato como presidente dos EUA suspende momentaneamente grande parte da «ajuda» norte-americana a diversos países. Entretanto, centenas ou mesmo milhares de funcionários da USAID, que assegura parte substancial dessa mesma «ajuda», foram dispensados e o seu director demitiu-se, tendo os destinos da instituição passado para a alçada directa do Secretário de Estado, Marco Rubio. Trump já fez saber que pretende fundi-la com o Departamento de Estado.

Há muito que é denunciado que os EUA utilizam diversas instituições norte-americanas – como a USAID ou a Fundação Nacional para a Democracia (NED) – para dissimular as operações de ingerência e desestabilização, incluindo a interferência em processos eleitorais, que promovem por todo o mundo. A novidade é que tal denúncia surja agora pela voz dos mais altos responsáveis da actual Administração norte-americana, também eles protagonistas de medidas e acções contra outros países.

Mas o que é, afinal, a USAID? Criada em 1961 pelo presidente John F. Kennedy, a Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (USAID) surgiu no contexto da chamada Guerra Fria. O objectivo, mais ou menos assumido, era travar a crescente influência da União Soviética e do campo socialista e o avanço do movimento nacional libertador. A par da força das armas, a que tantas vezes recorre, o imperialismo passou a ter outros importantes instrumentos para promover a coação e a desestabilização, que podendo ser menos abertamente belicistas, não deixam de ser menos eficazes face aos seus propósitos.

«Desenvolvimento» esconde submissão
Um dos primeiros programas da USAID foi a chamada «Aliança para o Progresso», uma iniciativa para a América Latina similar ao Plano Marshall, que visou aprofundar ainda mais os laços de subordinação e dependência dos países da região face aos EUA (à semelhança, aliás, do que sucedeu na Europa Ocidental no pós-guerra). Como denuncia o Granma, órgão central do Partido Comunista de Cuba, os avultados fundos que rumaram ao subcontinente a pretexto do «apoio ao desenvolvimento» acabaram a financiar a tortura e os crimes da Operação Condor.

A USAID foi um dos canais privilegiados para o financiamento de múltiplas operações de «mudança de regime» – em Cuba (ver caixa), mas também na Nicarágua ou na Venezuela. Para este último país, aliás, foram canalizados milhares de milhões de dólares, parte considerável dos quais para ditas «actividades de direitos humanos», «reforço da sociedade civil» e «liberdade de informação», eufemismos sobres os quais se oculta o activo apoio aos grupos golpistas de extrema-direita e às suas violentas acções violadoras dos mais elementares direitos humanos, a operações de desinformação e de interferência em processos eleitorais, entre outros exemplos.

Em Fevereiro de 2019, no auge da ofensiva golpista contra a Venezuela (durante o primeiro mandato de Trump), viveram-se momentos de tensão junto à fronteira com a Colômbia envolvendo camiões «humanitários» da USAID. Uma auditoria posterior confirmou que a acção da agência não foi norteada por princípios humanitários, mas pela intenção de «reforçar a credibilidade do governo interino», como então era designado o grupo de golpistas, encabeçado por Juan Guaidó, que serviu de biombo ao saque de recursos venezuelanos precisamente para os EUA.

A acção da USAID estende-se também a África, à Ásia, ao Médio Oriente e à Europa.

Verdades que se revelam
As reacções à iniciativa de Trump que visa controlar a acção da USAID ajudam a revelar a extensão dos tentáculos desta agência estatal norte-americana. A BBC refere que dos 10 mil funcionários da USAID, dois terços trabalham no estrangeiro. Contudo, acrescenta, a maior parte das suas actividades são desenvolvidas por outras organizações, por ela contratadas e financiadas. A própria BBC Media Action, que intervém em mais de 30 países no campo dos média, tem como um dos principais financiadores a USAID.

A Voz da América (voanews.com) lamenta o impacto que o eventual encerramento da USAID poderá ter nos meios de comunicação ucranianos, em grande medida financiados por ela – ou seja, directamente pelo orçamento federal norte-americano. O mesmo que sucede, aliás, com os chamados meios «independentes» em países como a Bielorrússia ou a Geórgia. A Repórteres sem Fronteiras revelou que a USAID financiou mais de seis mil jornalistas e para cima de 700 meios de comunicação em todo o mundo – e teme agora pelo futuro do que não se coíbe de designar de «media independentes».

Em 2013, a agência foi expulsa da Bolívia pelo então presidente Evo Morales, acusada de financiar e organizar movimentos secessionistas nas zonas mais ricas em recursos naturais. O mesmo tinha feito a Rússia no ano anterior, acusando a USAID de interferir nos assuntos internos. A agência teve, aliás, um papel relevante na transição da Rússia para o capitalismo, na década de 1990, com as suas graves consequências políticas, económicas e sociais, desde logo o brutal aumento das desigualdades. Essas «reformas» alargaram a presença do capital norte-americano na economia russa.

Se não constitui propriamente uma surpresa a real natureza da USAID, há muito denunciada (embora a amplitude da sua acção, agora revelada, possa impressionar), também não será uma surpresa que o imperialismo norte-americano continuará a recorrer a estes e outros instrumentos para prosseguir com a ingerência e a agressão.

 

O exemplo de Cuba

Cuba revolucionária é, há muito, alvo privilegiado da acção «humanitária» da USAID, que oferece um retrato nítido dos métodos e meios a que a agência recorre, que ali se somam à devastação económica criada pelo bloqueio.

Por exemplo, entre 2009 e 2012, a USAID desenvolveu a ZunZuneo, uma rede social semelhante ao Twitter, dirigida à juventude cubana. No seu início com conteúdos sobre desporto, música, etc., evoluiu paulatinamente para a difusão de mensagens, mais ou menos directas, contra o governo revolucionário cubano. Para tentar esconder a origem da plataforma, a USAID usou contas offshore e empresas de fachada, com as operações a serem dirigidas a partir de países como Irlanda ou Espanha. A descoberta do esquema provocou críticas a nível internacional.

Mais conhecido é o financiamento norte-americano, através da USAID e de outras entidades, à denominada Rádio e TV Martí, que emitem para Cuba a partir dos EUA. Em 2021, a administração Biden aumentou a parcela dos fundos da agência destinada à subversão contra Cuba.

 



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