A festança

Gustavo Carneiro

1. Entre 30 de Novembro de 2023 e o mesmo dia de 2024 o número de multimilionários no mundo passou de 2565 para 2769 indivíduos e a sua riqueza conjugada registou o segundo maior crescimento desde que há dados (mais, só em 2021), aumentando neste período dois milhões de milhões de dólares, qualquer coisa como 5700 milhões por dia. Só a riqueza das 10 pessoas mais ricas do mundo cresceu diariamente quase 100 milhões. Para a Oxfam Internacional, autora do estudo (recentemente divulgado) onde surgem estes dados, mesmo que estes 10 multimilionários perdessem 99% da sua riqueza de um dia para o outro, «continuariam a ser milionários».

O estudo revela ainda que 45% da riqueza mundial está nas mãos de apenas 1% da população.

2. Na União Europeia, a riqueza dos milionários aumentou 138 mil milhões de euros – 376 milhões a cada dia que passou. Os 440 multimilionários existentes nos 27 Estados-membros da UE concentram 2,2 milhões de milhões de euros, sendo que a maior parte deles – cerca de 74% – provém de «poder de monopólio», «ligações clientelares» e «heranças», refere a Oxfam. A organização cita a Forbes para salientar que «todos os milionários com menos de 30 anos herdaram a sua riqueza».

3.Outro dado interessante revelado pelo estudo aponta para o peso expressivo da exploração colonial e dos países periféricos na criação das actuais fortunas, principalmente (mas não só) da Europa Ocidental. E garante que este saque de recursos prossegue hoje, em moldes diferentes porém não menos eficientes: «o 1% mais rico dos países do Norte Global, como os EUA, o Reino Unido e a França, extraiu 30 milhões de dólares por hora do Sul Global através do sistema financeiro em 2023.»

4. Em Portugal – é já a edição nacional da Forbes quem o afirma – as 50 famílias mais ricas acumulam um património estimado em 45 mil milhões de euros, quase mais cinco mil milhões do que no ano anterior. Juntas, estas 50 famílias possuem o correspondente a 17 por cento do PIB em 2023. As 10 que encimam a tabela detêm quase metade do valor total do top 50.

5. Entretanto, 44% da Humanidade (3,6 mil milhões de pessoas) vive abaixo do limiar de pobreza e mais de metade não tem acesso seguro a água potável. Nos países da União Europeia, mais de 34 milhões não conseguem satisfazer as suas necessidades energéticas essenciais, desde logo ao nível do aquecimento das casas, com Portugal a registar dos piores resultados. O nosso país continua também a ser dos mais desiguais, com um quinto da população em situação de pobreza ou exclusão (que, não fossem os apoios sociais, atingiriamos 40%).

6. Esta festança dos ricos não é mais do que o capitalismo a funcionare cada vez com menos freios. É esta a sua natureza: injusta e predadora. Até quando a vamos aguentar?



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