Achas na fogueira

Anabela Fino

A «operação especial de prevenção criminal», como a PSP chamou ao degradante espectáculo levado a cabo a semana passada na zona do Martim Moniz, plasmado na imagem de dezenas de cidadãos de cara encostada à parede e mãos no ar, é mais um passo na deriva do governo PSD/CDS para a extrema-direita.

Justificando a aparatosa encenação com a necessidade de responder a uma alegada ‘percepção de insegurança’ da população, centrada num bairro da capital onde moram e trabalham muitos imigrantes, o Governo, que nega qualquer orientação xenófoba e racista, lança na prática combustível para a fogueira que o Chega e afins ateiam com as suas falsas acusações aos imigrantes e o seu discurso de ódio.

O primeiro-ministro Luís Montenegro pareceu não se dar conta da humilhação a que foram sujeitos, sem qualquer acusação, dezenas de cidadãos, e afirmou a propósito que «é muito importante que operações como esta decorram, para que haja visibilidade e proximidade no policiamento e fiscalidade de actividades ilícitas». Já a ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, a exemplo do sucedido noutras ocasiões, mantém-se activamente no culto do silêncio, a tentar passar no intervalo dos pingos da chuva, que é como quem diz fazendo de conta que não é nada com ela.

Não é o caso do presidente Marcelo, também ele muito dado a ‘percepções’, como bem nos lembramos, tanto que, há alguns anos, recorreu à ‘magistratura de influência’ para tentar impedir a realização da Festa do Avante!. Desta vez, Marcelo percepcionou pouco, mesmo com tanta imagem disponível, e disse que «é preciso perceber se houve equilíbrio (!) na actuação policial». Percepciona-se aqui alguma duplicidade de análise, se é que me entendem… Por outro lado, percepcionando muito bem, o presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, aplaudiu entusiasticamente a operação e pediu mais, aproveitando para levar mais água ao moinho da Polícia Municipal, que quer transformar em corpo de intervenção.

E tudo isto na semana em que a Fundação Francisco Manuel dos Santos divulgou o Barómetro da Imigração, segundo o qual «em 2023, viviam em Portugal um milhão e quarenta e quatro mil cidadãos estrangeiros com estatuto legal de residente», uns escassos 9,8% do total da população. Cerca de oito em cada 10 estrangeiros cá residentes são de países de fora da UE, sendo o Brasil a principal origem dos imigrantes, com três em cada 10.

Segundo o Barómetro, 68% dos inquiridos concordam que os imigrantes são fundamentais para a economia nacional, mas, simultaneamente, 51% vêem-nos como uma «ameaça simbólica, ou seja, que empobrecem os valores e tradições portuguesas».

Como se compreende, nada melhor do que uma «operação especial de prevenção criminal» para combater ‘percepções’ sem fundamento. Para memória futura, registe-se que a intervenção se saldou, ao que consta, pela apreensão de uma navalha e uns pacotinhos de droga… a um cidadão nacional.





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