Agendas e percepções
Generalizou-se atribuir a algumas das opções do Governo a chamada cobertura da agenda do Chega. Seja quando retirou o direito à utilização da chamada manifestação de interesse aos imigrantes, seja na limitação e ataque à universalidade do Serviço Nacional de Saúde com o mesmo tipo de pretextos, seja em função da exibição e instrumentalização governamental de acções das forças de segurança, como as que assistimos recentemente no Martim Moniz. Mas o País dormiria relativamente descansado se estivéssemos apenas a falar da “agenda do Chega”.
Na verdade, estamos a lidar com algo bastante mais profundo. Estamos a lidar com a forte projecção de valores e concepções reaccionárias que estão a cumprir um papel fundamental na estratégia do capital: dividir os trabalhadores e as massas, desviar as atenções, ocultar as causas das injustiças, agravar a exploração, atacar a democracia e o regime democrático.
Uma estratégica em que os órgãos de comunicação social (e de quem neles manda) articulado com as redes sociais têm papel central. A partir de critérios editoriais que se aproximam cada vez mais da desinformação e manipulação, a torrente informativa vai sendo crescentemente marcada pela instigação de sentimentos de insegurança, pelo despoletar da raiva contra os políticos – objecto principal da corrupção, e nunca o capital –, pela diabolização do Estado, das empresas públicas, dos impostos, pela banalização e promoção da violência e da guerra. Não são os Chegas desta vida que são os promotores destas ideias a que agora chamam de percepções. Estes limitam-se a cumprir o papel que o grande capital lhes atribui como intérpretes dessa agenda.
O que a vida está a mostrar é que não há nem cordão sanitário, nem linhas vermelhas entre o Governo PSD/CDS e o Chega ou a IL, ou, se quisermos, entre a direita e a extrema-direita. Assim é em Portugal e também na UE. Mesmo o PS, que faz da demarcação a estas forças, uma forma de branquear as suas responsabilidades como executante da política de direita, não deixa de ir atrás desta abordagem como se viu, aliás, em diversas autarquias, como a de Loures.
A luta contra a política direita é, em si mesma, uma luta contra os projectos reaccionários e a agenda do capital. A luta pela alternativa patriótica e de esquerda é cada vez mais uma luta em defesa da democracia.