Matar os pobres sem matar a fome

Anabela Fino

No início do ano que agora está a ter­minar, o re­la­tório De­si­gual­dade S.A. da Oxfam dava conta da bes­ti­a­li­dade do sis­tema ca­pi­ta­lista com uma cons­ta­tação sim­ples: ao ritmo ac­tual, serão ne­ces­sá­rios cerca de 230 anos para que a po­breza seja com­ple­ta­mente er­ra­di­cada do pla­neta. Já para ter o seu pri­meiro tri­li­o­nário, que pro­va­vel­mente será Jeff Bezos ou Elon Musk, o tal que Trump vai levar para a Casa Branca como ga­rante de ‘efi­ci­ên­cia’, só é pre­ciso uma dé­cada.

En­tre­tanto, os cinco mai­ores bi­li­o­ná­rios do pla­neta não ti­veram de es­perar para au­mentar o pe­cúlio: entre Março de 2020 e No­vembro de 2023 mais do que du­pli­caram a sua for­tuna, re­velou o re­la­tório. Por outro lado, in­forma ainda a Oxfam, a po­breza nos países de ren­di­mento mais baixo é ainda maior do que era em 2019.

Doze meses vol­vidos, a po­breza cresceu.

Em Por­tugal, dados di­vul­gados em Ou­tubro pela Por­data con­firmam o de­sastre: em 2022, e pela pri­meira vez em sete anos, a taxa de risco de po­breza subiu, «pas­sando de 16,4% para 17%». Em 2022, «1,9 mi­lhões de pes­soas em Por­tugal en­con­travam-se em risco de po­breza, ou seja, vi­viam com ren­di­mentos in­fe­ri­ores a 591 euros men­sais», nú­mero que au­menta para «2,1 mi­lhões de pes­soas se se con­si­derar a po­pu­lação que não tem ca­pa­ci­dade fi­nan­ceira para ad­quirir bens es­sen­ciais (risco de po­breza e ex­clusão so­cial)».

Acresce que os po­bres estão mais po­bres – «Em Por­tugal, me­tade dos po­bres tinha, em 2022, um ren­di­mento mo­ne­tário dis­po­nível 25,6% abaixo da linha de po­breza e esta pro­fun­di­dade au­mentou face a 2021» –, e ter tra­balho não chega para es­capar à po­breza: «Haver um em cada dez in­di­ví­duos que, apesar de ter em­prego, é pobre, deve ser en­ca­rado, a par dos va­lores de ou­tros in­di­ca­dores, como um factor de pre­o­cu­pação», alerta a Por­data, su­bli­nhando que, no con­texto da União Eu­ro­peia, uma em cada cinco pes­soas vive em risco de po­breza ou ex­clusão so­cial, a 13.ª maior taxa de risco de po­breza ou ex­clusão so­cial.

Foi com este pano de fundo que a UE de­cidiu al­terar as re­gras de uti­li­zação dos fundos de co­esão. Um terço do or­ça­mento comum, cerca de 392 mil mi­lhões de euros de 2021 a 2027, que se des­ti­nava a re­duzir a de­si­gual­dade eco­nó­mica entre os países da UE, passam agora a ser uti­li­zados para apoio à in­dús­tria mi­litar, dita de “de­fesa”.

Ao som de “vêm aí os russos” e do es­pectro do nu­clear, não do que os 27 ar­ma­zenam nos pró­prios países mas o do vi­zinho, ateia-se a his­teria co­lec­tiva, ali­menta-se o medo re­co­men­dando inú­teis com­pri­midos de iodo, aduba-se a po­breza com a cor­rida ar­ma­men­tista. Os fu­turos tri­li­o­ná­rios não têm tempo a perder. Os po­bres que se danem.

 



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