Vã indignação

Jorge Cordeiro

Por mais per­ple­xi­dade que a afir­mação possa sus­citar, não é fácil de­cidir sobre o que é mais cho­cante: se a na­tu­reza e ex­pressão do epi­sódio que a ex­trema-di­reita quis pro­ta­go­nizar na pas­sada sexta-feira na As­sem­bleia da Re­pú­blica aquando da apro­vação do Or­ça­mento do Es­tado, se a fa­bri­cada in­dig­nação com que al­guns re­a­giram ao su­ce­dido como se de obra do acaso fosse filho o que ali se as­sistiu. Quem se­meia ventos, colhe tem­pes­tades. Não se ali­menta a besta es­pe­rando que aja como animal do­més­tico.

Não! O que ali se evi­den­ciou não foi uma “in­fan­ti­li­dade”, um acto de “van­da­lismo pa­tri­mo­nial”, uma “des­con­si­de­ração pelas ins­ti­tui­ções”, uma ar­ruaça de gente “mal-edu­cada”. O que ali se evi­den­ciou é tão só a ex­pressão nua e crua de pul­sões fas­ci­zantes de uma ex­trema-di­reita que sente em seu redor o am­bi­ente capaz de animar com­por­ta­mentos cada vez mais in­to­le­rá­veis. Mas mais que isso – a re­sul­tante di­recta de quem se sente ani­mado pelo aco­lhi­mento das con­cep­ções re­ac­ci­o­ná­rias, dos es­tí­mulos que a per­mis­si­vi­dade e cum­pli­ci­dade de ou­tros lhe pro­por­ci­onam, do in­cen­tivo dado na prá­tica, por al­guns dos que agora agitam com sin­ce­ri­dade du­vi­dosa, para essa es­ca­lada an­ti­de­mo­crá­tica. Ou porque delas par­ti­lham ou porque delas visam re­tirar be­ne­fí­cios.

Soa a falso a gri­taria in­dig­nada dos que apoi­aram e com­par­ti­lharam essa ope­ração pro­vo­ca­tória contra Abril e a de­mo­cracia em torno do 25 de No­vem­brocom o que car­rega de lastro e fô­lego a im­pulsos re­ac­ci­o­ná­rios e an­ti­de­mo­crá­ticos.Pouco vale esses as­somos de in­dig­nada sur­presa com esse ar­rojo an­ti­de­mo­crá­tico, da parte de quem lhes ali­menta a agenda e lhes dá palco sempre na ex­pec­ta­tiva que sobre qual­quer nesga me­diá­tica para que apa­reçam em bicos de pés. Ou os que, para exibir o seu apego “de­mo­crá­tico”, agitam agora uns im­pro­pé­rios face a quem não param de ali­mentar, todos os dias e a todas as horas, no plano da no­ticia e do co­men­tário, de lhe dar um tão ge­ne­roso quanto in­fin­dável palco opi­na­tivo, de aco­lher com ir­res­pon­sável to­le­rância cada uma das ma­no­bras me­diá­ticas que dali surgem, sa­li­vando por cada um desses mo­mentos para dis­putar au­di­ên­cias.

É à sombra de quei­xumes de cir­cuns­tância que me­dram as con­cep­ções e pro­jectos que ti­veram ali mera ilus­tração do que a cada dia exibem. E, para lá de tudo isto, este epi­sódio serviu para des­viar as aten­ções da na­tu­reza e con­teúdos do OE apro­vado e dos seus res­pon­sá­veis.

 



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