Eleições na Ditadura do Capital
Nos EUA houve eleições livres como livres são os mercados. Quem pôde pagar a campanha mais cara de sempre – 16 mil milhões de dólares – levou a presidência. O mercado democrático é tão livre que até os votos individuais se compram: o bilionário Elon Musk, por exemplo, pagava 47 dólares (100 nos chamados Estados oscilantes) por cada voto em Trump e sorteava diariamente um milhão de dólares a um feliz eleitor republicano. Os restantes candidatos foram democraticamente excluídos por não terem 16 mil milhões de dólares. Contaram-se os votos sem que nenhum bloquista exigisse ver actas nem gritasse fraude eleitoral e, como só se desilude quem se quis iludir, ganhou quem mais deu: a classe dos bilionários, porque esta é a sua democracia.
A ala conservadora da classe dominante venceu a ala liberal, tão liberal que a sua rejeição do conservadorismo assenta precisamente na luta encarniçada pela conservação do status quo. Não, quem falhou não foram os homens, os negros, as mulheres, os latinos ou os trabalhadores: foi o Partido Democrata, reduzido ao espúrio «ele não!» de poder ser tudo menos Trump, mas incapaz de articular qualquer solução para os problemas dos trabalhadores. Kamala Harris, sob todas as suas identidades e pronomes, não era assim tão diferente do burgesso Trump: são gémeos neoliberais separados pela estratégia. Trump começava todos os comícios a perguntar ao público se sentia que o país estava melhor ou pior com Biden e Harris. Resultava sempre. Biden e Harris chegaram à Casa Branca com a promessa de expandir programas sociais, mas preferiram atirar biliões de dólares para a guerra na Ucrânia, para o genocídio na Palestina e para a destruição do Líbano. As posições de Democratas e Republicanos sobre imigração são tão parecidas que, vencendo as eleições, Trump apressou-se a escolher, como Czar das Fronteiras, Tom Homan, o antigo deportador-em-chefe das administrações Obama. A táctica de Kamala para vencer o perigoso reaccionarismo de Trump foi prometer ser essencialmente a mesma coisa. Entre o original e a cópia, os estado-unidenses preferiram o original, o mesmo neoliberalismo monstruoso e criminoso, mas sem o cinismo bem-falante, sem a hipocrisia do pretensiosismo moral.
Ambos foram castigados nas urnas, mas com intensidades distintas: Trump perdeu 500 mil votos em relação a 2020, mas Harris perdeu 10 milhões, um resultado impensável para quem, nos últimos meses, só tivesse olhado para o que dizem os ecrãs. Ficou visível o enorme distanciamento entre o povo estado-unidense e as elites culturais, artísticas, mediáticas e políticas. Trump dominou o Colégio Eleitoral e o voto popular, pintou de encarnado o mapa dos EUA e conquistou ambas as câmaras do Congresso. Mas isto não deve ser interpretado como uma viragem à direita. Por exemplo, o direito à interrupção voluntária da gravidez venceu referendos simultâneos em oito de dez Estados. Não é uma vitória de Trump, é uma derrota do Partido Democrata.
Não há, obviamente, razões para celebrar: com controlo absoluto sobre o Congresso e o Supremo, Trump aprofundará a ditadura dos milionários, desmantelará as conquistas sociais do New Deal dos anos 30 e os direitos civis dos anos 60. O terror chegará à casa de dezenas de milhões de trabalhadores imigrantes. A guerra e o genocídio continuarão, mesmo que pagos de outras formas ou apontados a novas geografias. É esta a democracia ditatorial do capital.