Moedas, ideologias e habitação
Carlos Moedas veio recentemente afirmar-se acima das ideologias na questão da habitação, com a reaccionária e populista ideia de que não se trata de ideologias, o que é preciso é trabalharmos todos para resolver o problema.
Isto até poderia ser remotamente verdade se houvesse um problema de falta de habitação digna. Como já houve neste país: a Revolução portuguesa encontrou um país com uma gritante falta de habitação, arregaçou as mangas e lançou-se na construção de habitação. O modelo económico preconizado pela Constituição – o Estado, o movimento cooperativo e a iniciativa privada, mesmo não esquecendo os evitáveis desvios especulativos desta última – impulsionou a construção de habitação em Portugal por décadas no pós-25 de Abril.
Hoje não existe um problema de falta de habitação digna. Existe um problema de falta de acesso a uma habitação digna. Existe um problema no mercado da habitação. E esse problema é criado por um conjunto de políticas que resultam de uma opção de classe concreta, defendida por uma ideologia concreta: a opção de classe é a de favorecer os interesses dos proprietários e dos detentores de capital, e a ideologia é o neoliberalismo, a ideia de que o mercado e a concorrência tudo resolvem.
A socialização e desmercantilização da habitação é a base para se resolver o problema. E não é possível estarmos todos juntos a fazê-lo, porque existe um conjunto de interesses, desde fundos imobiliários a pequenos, médios e grandes rentistas, que beneficia com a actual situação e não a quer alterar. É ao lado deles que está Moedas, foi ao lado deles que esteve Medina, e é do lado deles que nos acenam com a ideia de que temos todos de resolver o problema. Quando o que é preciso é que o povo se organize para resolver o problema do povo. E voltar a afirmar que antes do direito deles à propriedade está o direito do povo à habitação, que antes do direito deles de viver das rendas arrancadas a quem trabalha, está o direito de quem trabalha a uma vida digna.
A ideologia é o complexo edifício que torna qualquer opção simples, evidente, natural. Mesmo opções antagónicas. Que o povo não se deixe desarmar.