Quem trouxe a miséria, quem trouxe?
Nos últimos dias, pelo menos 14 produtores de leite receberam uma missiva da empresa que lhes comprava o leite, informando-os que, a partir de Janeiro de 2025, terão de procurar outro comprador.
Em linguagem corrente, a empresa, naquilo que afirma ser «uma relação responsável e respeitadora com os produtores com que trabalha, num espírito de verdadeira parceria», deu um autêntico chuto no dito cujo destes produtores e das vacas que, independentemente das relações comerciais, vão continuar a produzir leite e a pedir alimento para o efeito.
O método é o da concentração da produção, e da riqueza, em que os grandes, e quanto maiores pior, depois de os aliciarem com promessas de melhores preços e de estabilidade nas compras e de pagamentos, vão estrangulando os mais pequenos, abandonando-os à sua sorte, reduzindo compras e preços pagos, até ficarem sozinhos nos mercados para, a partir daí, determinarem os preços.
Com a entrada dos grupos económicos no negócio, que à distribuição juntam a transformação e já a produção primária, a situação agrava-se sobremaneira, uma vez que assumem a capacidade de o fazer ao longo de toda a cadeia manipulando completamente o mercado.
É o caso do Grupo Jerónimo Martins, que começou por vender a carne e o leite que adquiria, para depois comprar uma fábrica de embalamento de leite e depois uma exploração leiteira. Pelo caminho, arrastaram produtores, impuseram preços, contrataram mesmo um ex-ministro da Agricultura para gerir a coisa, dando-lhe credibilidade.
Têm olho para o negócio, dirão uns. Esta estratégia trouxe-lhe milhões e milhões de euros de lucros.
Com essa atitude predatória, dizemos nós, trazem falências, abandono, miséria. Com esta lógica «empresarial», trazem despovoamento, problemas sociais e ambientais. Com esta veia exploradora, usando enquanto dá jeito para largarem quando lhes servir, trouxeram a destruição de 90% (sim, noventa por cento) das explorações leiteiras portuguesas.
E, pergunta o leitor, quem é que trouxe uma tal situação? Quem trouxe, quem trouxe? Neste caso, foi o Pingo Doce.