Novas e velhas ameaças à espreita na ferrovia

«O Programa de Governo e as ameaças à Ferrovia portuguesa». Foi sob este título que se realizou, no dia 18, uma audição pública com diversas estruturas representativas dos trabalhadores do sector. No Clube Ferroviário, em Lisboa, as novas ameaças e a reforçada ofensiva aos caminhos de ferro estiveram no centro da discussão.

Avolumam-se os problemas no sector ferroviário

 

Em Portugal, país em que se estima terem sido destruídos cerca de 1000 quilómetros de caminhos de ferro nos últimos 40 anos, faltam ferroviários e material circulante, como locomotivas e carruagens. Falta também investimento público, que foi decrescendo em função das imposições do euro e do défice. E falta, sobretudo, um serviço de qualidade para os utentes.

Por outro lado, o que não faltou e continua a não faltar são más opções de gestão, porventura propositadas, de maneira a acelerar o processo de liberalização da ferrovia que PS, PSD e CDS – por turno ou em simultâneo, mas sempre com uma enorme cumplicidade – há muito puseram em marcha. O objectivo é sempre o mesmo: dividir para reinar, ou neste caso, para privatizar. Foi assim com a CP Carga, separada da CP e, eventualmente, pelo muito tempo que já levava na lista de potenciais vendas do Estado, privatizada. Hoje, é a Medway.

Estas más opções, que saltam ainda à vista com o caso da Refer (Rede Ferroviária Nacional), antes na esfera da CP e actualmente ligada à Estradas de Portugal, formando ambas a actual IP (Infra-estruturas de Portugal). Trata-se de desligar a manutenção da própria ferrovia e ligá-la a quem antes se encarregava da administração da rodovia portuguesa.

Anteriores, mas não menos danosas, foram as privatizações e encerramento da Sorefame e da Siderurgia Nacional, com as quais o País deixou de ter capacidade de construir comboios e de produzir carril.

Redobrada ameaça
Com o novo executivo de PSD e CDS, as ameaças ao sector ferroviário nacional, há décadas sob fogo cruzado, parecem redobrar-se. Com a conivência do anterior governo, do PS, que não o incluiu no Contrato de Serviço Público, o serviço de longo-curso parece aproximar-se cada vez mais das garras das multinacionais. Está em curso um processo de aprofundamento da pulverização da CP através da sua regionalização, opção comprovadamente errada através dos exemplos de outros países.

Mas há mais: o processo de aquisição de novo material circulante arrasta-se; prevê-se que a IP cubra uma taxa de uso ainda menor à Medway e a outros operadores de carga privados; é expectável a renovação da concessão à Fertagus e está prevista uma nova parceria público-privada para a linha de Alta Velocidade entre o Porto e Lisboa quando o financiamento para a sua construção já está garantido pelo Banco Europeu de Investimento.

Nesta equação negativa, sobram os ferroviários, cujo trabalho continua a ser desvalorizado. Faltam operacionais na CP, falta a sua formação e valorização, sobretudo em questões salariais. Com despedimentos e reduções, sobram hoje cerca de 7000 ferroviários, num sector que já não é apenas público e numa carreira que já não atrai jovens.

Compromisso com sector ferroviário
Foi sobre estes problemas que Vasco Cardoso, da Comissão Política, Bruno Dias, do Comité Central (CC), e Manuel Gouveia e Francisco Asseiceiro, da Comissão de Assuntos Económicos, ouviram relatos da parte dos trabalhadores durante a audição.

«Nós temos um método de trabalho e uma forma de intervenção política que não dispensa esta exigência que o Partido coloca a si próprio, de não falar de uma realidade de cor e de, sobretudo, não falar de ferrovia sem falar com ferroviários», começou por assinalar Vasco Cardoso, a quem coube o encerramento da discussão, sem deixar de recordar o compromisso de há décadas do PCP com estes trabalhadores e com a defesa deste sector estratégico: «sabem que podem contar connosco e sabem que, naturalmente, não começámos hoje, nesta reunião, esta troca de impressões. Esta relação já vem de trás e vai continuar no futuro».

«Olhamos para a ferrovia como um aspecto estruturante da vida do País, no plano económico, da mobilidade, de mercadorias e passageiros, de coesão territorial, de produção nacional e, simultaneamente, de desenvolvimento científico e tecnológico», salientou o dirigente, para quem há um caminho de privatização a ser trilhado com o patrocínio da UE. «Por isso é que está a haver algum financiamento comunitário para a construção da infra-estruturas ferroviárias. Não houve uma alteração da avaliação da UE sobre o papel da ferrovia. Isto acontece, sobretudo, porque é preciso garantir uma infra-estrutura coerente no espaço ferroviário europeu para que as multinacionais, num contexto não muito diferente do da Fertagus, possam explorar os serviços mais rentáveis», explicou.

Num aparte sobre questões ambientais, Vasco Cardoso comprovou a contradição que existe entre o discurso de quem exibe, todos os dias, preocupações com o meio-ambiente, mas que depois, na política concreta, pouco se importa. «A prova disso é a situação em que se encontra a ferrovia», afirmou.

Propostas concretas
Já Bruno Dias abordou aquela que tem sido a intervenção do PCP na Assembleia da República sobre este sector, lembrando o projecto de resolução, entregue pelo Grupo Parlamentar comunista a 28 de Junho, que Recomenda ao Governo o descongelamento e correcção do Plano Nacional Ferroviário Nacional de modo a investir na ferrovia e enfrentar as dificuldades (do qual constam cerca de 20 medidas concretas para o sector). Este documento foi tratado na edição do Avante! de 11 de Julho.

Também Manuel Gouveia, depois de enumerar as ameaças existentes, que consubstanciam uma «clara ofensiva contra a ferrovia», apontou o que falta fazer para que o sector avance: reconstruir a Refer e ligá-la à CP, contratar os trabalhadores em falta, adquirir material circulante e outros equipamentos e ainda promover um serviço de qualidade ao utente, nomeadamente estações, informações, instalações sanitárias, etc.



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