Mercenários

Ângelo Alves

No sá­bado foi dia de re­flexão. Nas TV’s o dia foi pas­sado a re­quentar «peças jor­na­lís­ticas» e «co­men­tá­rios» de pro­moção do mi­li­ta­rismo na União Eu­ro­peia, an­ti­co­mu­nismo e pro­pa­ganda de guerra re­la­tiva ao con­flito na Ucrânia. Nesse mesmo dia, na Pa­les­tina, na Faixa de Gaza, no campo de re­fu­gi­ados de Nu­seirat, de­corria uma das mai­ores ma­tanças le­vadas a cabo por Is­rael na guerra de Gaza, que en­trou no seu nono mês. Num único dia, em poucas horas, o exér­cito si­o­nista matou 274 pes­soas e feriu ou­tras 700. Tudo isto num es­paço ge­o­grá­fico equi­va­lente a um pe­queno bairro de Lisboa.

A pa­lavra às ví­timas: «foi como um dia apo­ca­líp­tico, toda a gente corria a fugir, e as ruas es­tavam re­pletas de corpos (…) de um mo­mento para o outro co­me­çamos a ouvir ex­plo­sões em todo o lado e drones ar­mados ati­ravam sobre toda a gente. (…) Não houve aviso ou alerta. De sú­bito o exér­cito is­ra­e­lita co­meçou a bom­bar­dear e a atirar sobre as casas». Foi assim que Umm Islam Al-Assar, mu­lher pa­les­ti­niana que perdeu duas so­bri­nhas neste ataque e viu a sua irmã e ou­tras quatro so­bri­nhas serem gra­ve­mente fe­ridas quando a casa onde vi­viam co­lapsou sobre elas, des­creveu o terror. Uma outra ví­tima re­la­tava o in­ferno desta forma: «es­tava a descer a rua e vi um ca­mião cheio de uten­sí­lios e fer­ra­mentas. Pensei que per­ten­cesse a re­fu­gi­ados de Rafah. De re­pente dez sol­dados das forças es­pe­ciais is­ra­e­litas saíram do ca­mião e co­me­çaram a atirar sobre toda a gente».

É isto a guerra, é este o terror diário que Is­rael leva a cabo há nove meses na Pa­les­tina. Mais de 85.000 fe­ridos e 37.120 mortos é o dan­tesco ba­lanço do ge­no­cídio em curso. Dos mortos, pelo menos 15.571 são cri­anças, facto que levou – tar­di­a­mente, diga-se – a ONU a in­cluir Is­rael na lista negra dos Es­tados ou or­ga­ni­za­ções que co­metem crimes contra cri­anças em con­flitos mi­li­tares. Nas TV’s por­tu­guesas nada disto se viu. A ma­tança de Nu­seirat foi apre­sen­tada como uma «ope­ração de res­gate de re­féns» e a de­cisão da ONU foi ocul­tada. O facto de al­guns co­men­ta­dores na­ci­o­nais não terem con­se­guido es­conder um sor­riso quando afir­maram que Is­rael «de­mons­trou ca­pa­ci­dade para li­bertar re­féns», prova até que ponto vai a lou­cura be­li­cista e a hi­po­crisia desta gente que é paga para ali­mentar a guerra na Ucrânia e jus­ti­ficar o ge­no­cídio na Pa­les­tina.

São mer­ce­ná­rios. E essa é a re­flexão que todos devem fazer.

 

 



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