Geórgia, tragédia e farsa

Luís Carapinha

O imperialismo quer uma «mudança de regime» na GEórgia

Na Geórgia, entrou em vigor a lei «Sobre a transparência da influência estrangeira», vulgo dos «agentes estrangeiros», após o parlamento ter ultrapassado o veto da presidente Zurabichvili, ela mesmo o exemplo acabado de uma agente estrangeira (em 2004 passou de embaixadora da França em Tbilissi para titular do MNE da Geórgia!). De acordo com o diploma, todas as ONG e órgãos de comunicação social que recebam mais de 20% do financiamento do estrangeiro devem registar-se em conformidade.

É uma decisão soberana das autoridades competentes de Tbilissi, mas o processo deu azo a uma grotesca campanha de ingerência dos EUA e UE sobre o «aliado» transcaucásico que, desde a dissolução da URSS, se encontra na esfera de influência do imperialismo. O poder na Geórgia, desde 2012, com base no partido de direita «Sonho Georgiano», fundado por um dos principais oligarcas do país, continua a apontar como vectores estratégicos a adesão à NATO e UE, mas tal não impediu a avassaladora onda de desinformação em torno da apelidada «lei russa» (legislação do género vigora, por exemplo, nos EUA desde o final dos anos 30), tolhendo a razão e compreensão dos factos.

A mais despudorada ingerência externa, o jogo de pressões e ameaça de sanções trazem à memória o registo negro das «revoluções coloridas» – o eurocomissário Olivér Várhelyi chegou ao ponto de lembrar ao primeiro-ministro georgiano o atentado ao PM eslovaco, Fico, alvejado em Maio com cinco tiros. O desfile nos protestos de Tbilissi dos cães de fila de Washington e Bruxelas, com o MNE lituano, Landsbergis, a pregar pelo protagonismo, traça um paralelo com a experiência sangrenta da Maidan, na Ucrânia.

É óbvio que, em vésperas das eleições legislativas na Geórgia, em Outubro, o imperialismo aposta numa «mudança de regime» e já accionou os respectivos mecanismos de desestabilização e chantagem.

No país está fresca a memória da «revolução das rosas» de 2003, com coreografia da CIA. O poder esgotado de um acólito como Shevarnadze foi sacrificado sem clemência, abrindo espaço à renovação do agente Saakashvili que mais tarde fugiria para se tornar um herói da Ucrânia pós-golpista, antes de ser expulso e regressar à Geórgia onde está preso. Na presidência de Saakashvili, em 2008, empurrada pela Administração Bush (garantindo-lhe que a Rússia não reagiria militarmente), a Geórgia atacou unilateralmente a Ossétia do Sul, massacrando centenas de civis e militares da força de paz. Só aqui Moscovo reconheceu as repúblicas autoproclamadas da Abkházia e Ossétia do Sul, de facto não controladas por Tbilissi desde 1992-1993, no rescaldo do final precipitado da URSS.

No cerne desta campanha, que nada tem que ver com a democracia e a imprensa independente, estão velhos objectivos de hegemonia no espaço pós-soviético, na actual fase quente de confrontação com a Rússia, com os olhos no objectivo estratégico da China. Desde a guerra de 2008 entre a Geórgia e a Rússia, as relações diplomáticas entre os dois países mantêm-se cortadas. Contudo, os laços comerciais e económicos têm vindo a recuperar. A Rússia é o principal mercado das exportações tradicionais da Geórgia. Tbilissi recusou a imposição de sanções a Moscovo, exigidas pelos EUA e a UE. Não quer fazer um harakiri económico, como a Alemanha, e resiste em tornar-se carne para canhão de uma nova frente caucasiana da guerra na Ucrânia.

 



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