Direita e PS ignoram factos obscuros na privatização da ANA
Não passou no Parlamento a proposta do PCP de realização de um inquérito parlamentar à privatização da ANA Aeroportos. A travar a iniciativa, debatida dia 23 e votada no dia seguinte, estiveram os votos contra de PS, PSD e CDS.
Funcionou assim, uma vez mais, a convergência de PS e PSD para impedir que fossem apreciadas as circunstâncias da privatização da ANA Aeroportos, à luz designadamente do que foi apurado numa auditoria do Tribunal de Contas, publicada em Janeiro deste ano. As conclusões a que chegou e que constam do seu relatório são graves e constituem um «facto novo» que, por si só, justificaria plenamente a aprovação pela AR de um inquérito sobre esta matéria, como tratou de salientar no decurso do debate o deputado comunista António Filipe.
Lembrando o caso da indemnização a Alexandra Reis, que tão generalizada e justa indignação gerou na sociedade, o deputado do PCP comparou-o com o valor que está em causa na privatização da ANA e que anda na ordem dos dois mil milhões de euros. Ou seja, pôs a nu a discrepância entre o preço que tinha sido estimado (3080 milhões de euros) e o efectivo preço de venda (1,127 milhões de euros).
Mais, na opinião de António Filipe, assistiu-se àquilo que classificou de «verdadeira doação», aludindo aos dividendos de 2012 no valor de 71,4 milhões de euros oferecidos à Vinci, quando em 2012 a empresa ainda era pública.
Negócio ruinoso
Não obstante estes factos – que configuram um crime político e económico contra o povo e o País, como o PCP sempre disse -, do lado do PS, pela voz de Hugo Costa, veio a justificação de que a comissão parlamentar de Economia pode «acompanhar todo o processo de construção do novo aeroporto de Lisboa, nomeadamente as implicações da concessão e privatização da ANA», pelo que considerou «extemporânea» a constituição da CPI.
Já do PSD, por intermédio de Gonçalo Lage, o que se ouviu mais parecia ser a voz da multinacional francesa a falar, defendendo com unhas e dentes a privatização e achando que se tratou de um bom negócio, um caso em que o «Estado ganhou dinheiro».
E de tal forma se assumiu quase como porta-voz dos interesses da multinacional francesa, que o deputado comunista admitiu, com ironia, que, «se não soubesse que estava a ouvir um deputado da República, dir-se-ia estar a ouvir a administração da ANA Aeroportos».
PS, PSD e restantes bancadas, ao oporem-se à iniciativa do PCP, mostraram ainda não se importar com o facto de a multinacional ter reconduzido aadministração, nomeada um mês antes pelo Estado, no que António Filipe interpretou como um exemplo de «porta giratória», se não mesmo de «passadeira vermelha».
Daí a crítica severa que fez às bancadas da direita e ao PS, por «bateram a mão no peito contra a corrupção, pela transparência», mas, depois, «assobiarem para o ar» e acharem que «está tudo bem e que a privatização da ANA foi uma coisa muito boa para o País», quando, em rigor, foi e é profundamente lesiva da economia nacional, do interesse nacional. E por isso António Filipe considerou «indeclinável» que a AR proceda ao apuramento de responsabilidades, em nome da «defesa da democracia, da decência e da defesa da causa pública».
PCP não baixa os braços
Apesar da rejeição da sua iniciativa, o PCP não desiste de ver apuradas as responsabilidades políticas sobre este negócio ruinoso para o Estado e que haja consequências. Essa é uma exigência que ganha força face às novas informações contidas no Relatório de Auditoria elaborado pelo Tribunal de Contas.
Daí o requerimento do PCP entregue logo no dia 24 para a realização de um conjunto de audições a realizar pela Comissão de Economia, Obras Públicas e Habitação.
Os comunistas querem que sejam ouvidos nomeadamente os ex-governantes Pedro Passos Coelho, Victor Gaspar, Maria Luís Albuquerque e Sérgio Monteiro, o presidente do conselho de administração e da Comissão Executiva da ANA Aeroportos, respectivamente, José Luís Armault e Thierry Ligonnière, e organizações representativas dos trabalhadores da ANA.