Esculpir o inimigo
O imperialismo não desiste da instigação da guerra
A retórica belicista continua em crescendo na guerra da Ucrânia, à medida que se esboroam as perspectivas artificiais de Kiev prevalecer. Macron subiu o tom das suas anteriores declarações, admitindo a possibilidade de uma intervenção ocidental no terreno, ao afirmar a inexistência de «linhas vermelhas» e que a França enviará militares para a guerra se a Rússia avançar para Kiev ou Odessa.
Paris aprofundou a cooperação militar com a Moldova, num momento em que a NATO e Chisinau intensificam a pressão sobre a república autoproclamada da Transnístria e a região autónoma da Gagaúzia. Adensa-se a incerteza em torno desta guerra. Macron não está sozinho na escalada incendiária. Varsóvia não exclui o envio de tropas da NATO. O secretário de Defesa dos EUA afirmou que a NATO será envolvida no conflito se a Ucrânia for derrotada. Pressionando o Congresso a aprovar o novo pacote militar para Kiev de 60 mil milhões de dólares, Lloyd Austin acena com a bravata de que Pútin não ficará pela Ucrânia se a Rússia não for travada.
Recentemente, o New York Times revelou como a CIA instalou mais de uma dezena de bases secretas na Ucrânia, após o golpe de Estado da Maidan, de 2014, orquestrado pelos EUA e a UE (com Durão Barroso a presidir à Comissão Europeia). Na Alemanha, o governo de Scholtz – que tem rejeitado o envio à Ucrânia dos mísseis Taurus de maior alcance – viu-se embaraçado com a revelação de uma conversa do alto-comando da Força Aérea em que se discutem os cenários da destruição da ponte da Crimeia e se refere a presença militar na Ucrânia de países da NATO. É a confirmação do segredo de polichinelo, de que, à parte dos mercenários da multinacional legião estrangeira, estão na guerra da Ucrânia efectivos e conselheiros militares dos EUA, Reino Unido, França, etc. em missões de inteligência e manuseamento de sistemas de armas. Antes, o ministro da defesa alemão instara o Exército a preparar-se para uma guerra com a Rússia.
É neste quadro insano que decorrem até Maio, na proximidade das fronteiras russas, as maiores manobras militares da NATO desde os anos 80, enquanto a concentração de tropas e meios militares na região prossegue e Bruxelas anuncia um plano de investimento na indústria visando criar uma economia de guerra na UE. Economia de guerra que exigirá aos estados mais cortes nas verbas sociais, na saúde e educação.
Para ajudar ao festim, o Parlamento Europeu acaba de aprovar uma resolução a reclamar a «desimperialização, descolonização e refederalização» da Rússia, afirmando crer que uma «vitória decisiva da Ucrânia» pode ser o fio condutor da democratização russa (a propósito, o conceito de imperialismo deixou de ser tabu desde que sirva para assestar contra Moscovo). Longe vão os tempos em que Iéltsin e a restauração capitalista russa eram o paroxismo da democracia em Washington e nas capitais da NATO. A «economia de guerra» precisa de acirrar o discurso de ódio e a espiral de confrontação. Para «derrotar» a Rússia não basta a mudança de regime. O desmembramento da Federação Russa foi ensejado praticamente logo após a dissolução da URSS (apoio à guerra no Cáucaso).
Com os olhos na China, na loucura para prosseguir o expansionismo e reverter uma hegemonia em queda o imperialismo não desiste da instigação da guerra. Mesmo sob risco de provocar uma colisão directa entre potências nucleares.