Podia ser pior
E não é porque podíamos ter tido menos um deputado. Que podíamos. Em bom rigor, podíamos ter tido menos quatro deputados. E não é porque podíamos ter tido menos votos. Que podíamos. Podíamos ter tido menos 200 mil votos. Nem é porque podíamos ter tido menos percentagem. Que também podíamos. Menos 3,3%. Por essa mera dimensão quantitativa não se justificaria escrever este texto: de uma forma ou de outra, todos sabemos que nessa dimensão, seja qual for o resultado, a coisa pode sempre ser pior.
Mas há depois a dimensão qualitativa. Imaginem que para defender uns votitos, face ao massacre mediático, tínhamos adoptado uma posição menos desalinhada, mais cautelosa, sobre a guerra. Era pior, muito pior. Ou imaginem que tínhamos colocado o nosso Secretário-Geral a condenar a resistência palestiniana. Teria sido tão mau que hoje nem podíamos sair de casa com vergonha. Ou que para evitar incompreensões nos tivéssemos juntado à festa do ataque aos impostos, que prepara o caminho para uma próxima redução de impostos dos ricos a troco de uma redução de direitos das outras camadas da população. Teria sido mesmo muito mau. Pior, só mesmo se fingíssemos que os salários não são a questão central neste país, e que para aumentar salários é preciso aumentar salários, e não «oferecer» pseudo-reduções fiscais ou prémios.
Tal como na parábola do diabo, recuperada depois por Vinicius de Morais, ou na parábola do pântano usada por Lénine no Que fazer?, o Partido dos trabalhadores está sempre à beira de um abismo, que lhe promete um caminho mais fácil a troco de cedências. Um caminho muito mais fácil de percorrer, mas que não leva aonde nós queremos ir. E nós não fomos por aí. E nisso, vencemos.
É partindo da valorização dessa vitória que os militantes do Partido, e os amigos do Partido, e os aliados do Partido, devem colocar o melhor da sua inteligência, da sua sabedoria, da sua perspicácia, do seu génio, na reflexão colectiva sobre aquilo que podemos fazer melhor enquanto continuamos a fazer aquilo que temos feito.