Levantados do chão

Gustavo Carneiro

Azinhaga, concelho da Golegã. Ali nasceu José Saramago, o único escritor de língua portuguesa galardoado com o Prémio Nobel da Literatura. Oriundo de famílias trabalhadoras, também ele o foi: serralheiro mecânico, primeiro; funcionário público, depois. Nos seus livros tomou partido pelos que nada são neste mundo, como diz A Internacional. Exemplo maior dessa opção, que foi a sua (José Saramago foi militante do PCP durante décadas e até ao fim da vida), será porventura Levantado do Chão, essa magnífica obra onde definiu um estilo literário inconfundível.

Nela acompanha-se três gerações da família Mau Tempo no latifúndio alentejano e, através delas, a fome, o obscurantismo e a exploração a que os operários agrícolas eram sujeitos às mãos dos agrários, e a brutal violência da polícia ao seu serviço, num lugar e num tempo profundamente desiguais e injustos. Mas ali estão também inscritos, e magistralmente descritos, o despertar das consciências, a corajosa e paciente resistência, a luta por uma vida melhor – que desembocaram na Revolução de Abril e na sua mais bela conquista, a Reforma Agrária.

Há dias, na terra que viu nascer o escritor, a candidatura da CDU esteve reunida com dezenas de imigrantes, maioritariamente oriundos da Índia e do Paquistão. Trabalham em explorações agrícolas, sobretudo, mas ocasionalmente também na construção civil, num como noutro caso a troco de muito pouco, por vezes até de quase nada. Nesta busca diária do ganha-pão, nas condições ditadas pelo patrão (tantas vezes abaixo da lei e da elementar humanidade), é difícil não ver semelhanças com as praças de jorna de má memória.

Nessa reunião, semelhante a tantas outras realizadas em tantos outros lugares, afirmou-se que o PCP e a CDU não fazem distinção entre trabalhadores, independentemente da sua origem: «nós defendemos a classe trabalhadora» e todos – sem excepção – devem ter salários dignos, contratos, protecção social, habitação, saúde. Tudo aquilo, portanto, «a que um ser humano deve ter direito».

Ali reafirmou-se também a determinação em dar combate firme aos que pretendem responsabilizar os imigrantes pelos problemas do País, procurando que se esqueça que também os portugueses emigram em busca de uma vida melhor e ilibando os verdadeiros responsáveis: os partidos que servem aqueles que enriquecem com a exploração dos trabalhadores, sejam eles imigrantes ou portugueses.

Pese embora as diferenças culturais e linguísticas, saiu reforçada a solidariedade que une sob uma mesma bandeira – e uma mesma luta – os explorados de todo o mundo e foram encetados caminhos de organização, esse chão fértil de onde brotam todas as vitórias. Como dizia Saramago, é precisamente do chão que se levantam as searas e as árvores, mas também os homens e as suas esperanças.




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