Intenções

Gustavo Carneiro

Decorre no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) o processo movido pela África do Sul contra Israel, acusando-o de violar a Convenção sobre o Genocídio na actual agressão à Faixa de Gaza. Consciente da especificidade e gravidade deste crime, a África do Sul recorda o contexto de ocupação, apartheid e violência em que os palestinianos vivem há décadas e acusa Israel de lhes infligir deliberadamente acções calculadas para «provocar a sua destruição física como grupo».

Numa acusação desta natureza, é fundamental que a intenção fique provada.

São variadas as provas apresentadas: o elevado número de crianças mortas; a destruição de hospitais, escolas, bairros, refúgios ou caravanas de refugiados; a privação de alimentos, água e energia. Algumas são particularmente reveladoras, como as declarações dos dirigentes israelitas. As citações que se seguem constam todas no processo entregue no TIJ.

O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu confirmou, nos primeiros dias dos bombardeamentos, a «força sem precedentes» dos ataques em curso. A 15 de Outubro, quando tinham já sido mortos 2670 palestinianos, incluindo 724 crianças (em sete dias!!!), declarou que os soldados «compreendem o alcance da missão». Foi ainda ele a invocar a passagem bíblica da destruição de Amaleque pelos israelitas, onde se lê: «Não poupes ninguém, mas mata igualmente homens e mulheres, crianças e crianças de peito (...).»

O presidente Isaac Herzog, que escreve mensagens nas bombas que serão lançadas sobre a população palestiniana, considera que «é uma nação inteira que é responsável» e o ministro da Defesa assume que a Faixa de Gaza «não voltará a ser o que era antes. Nós vamos eliminar tudo». Já o titular da pasta da Segurança Nacional clarificou que a «destruição do Hamas» significa também a dos que o «celebram» e «apoiam», bem como dos que «distribuem doces – todos são terroristas e devem também ser destruídos».

Para o ministro do Património, «o Norte da Faixa de Gaza está mais bonito do que nunca. Tudo foi feito explodir e tudo foi destruído e arrasado, é simplesmente um prazer para os olhos». Foi este mesmo governante que defendeu um ataque nuclear ao território. O vice-presidente do Parlamento israelita, por seu lado, fala de um objectivo comum: «apagar a Faixa de Gaza da face da Terra.»

As citações continuam, de políticos a conselheiros militares, de veteranos a soldados no terreno: «Israel não tem interesse em que a Faixa de Gaza seja reabilitada»; «Quem são as “pobres” mulheres de Gaza? São todas mães, irmãs ou esposas de assassinos do Hamas»; «Sejam vitoriosos e acabem com eles e não deixem ninguém vivo. Apaguem a memória deles. Apaguem-nos, às suas famílias, mães e filhos.»

Decida o tribunal o que decidir, sobre intenções estamos conversados.




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