Rafah, Gaza, 2023

Gustavo Carneiro

Philippe Lazzarini é comissário-geral da Agência das Nações Unidas para o Apoio aos Refugiados Palestinianos (UNRWA, na sigla inglesa). Regressou há dias da Faixa de Gaza e, na Suíça, partilhou as suas impressões em conferência de imprensa.

Naquela que foi a sua terceira visita ao território nos últimos dois meses, esteve em Rafah, no extremo sul, junto à fronteira com o Egipto. Tradicionalmente o lugar onde vivem «os mais pobres da Faixa de Gaza, sem infra-estruturas nem bens essenciais», é aí que se têm vindo a concentrar, nas últimas semanas, mais de um milhão de pessoas, muitas delas deslocadas já por mais de uma vez: de Gaza para Khan Younis e daí para Rafah. Porém, adverte Lazzarini, aquele não é lugar para acolher um milhão de pessoas e muito menos «toda a população da Faixa de Gaza».

Um único armazém da UNRWA em Rafah, conta, tornou-se por estes dias no «lar» de mais de 30 mil pessoas, com as famílias a viverem separadas apenas por cobertores ou plásticos. E estes são os «sortudos». Muitos outros, dezenas de milhares, estão hoje na rua, sem ter para onde ir: «vivem ao relento, ao frio, na lama, debaixo de chuva. Para onde quer que se olhe, tudo está cheio de abrigos improvisados. Onde quer que se vá, as pessoas estão desesperadas, famintas e aterrorizadas».

Sobre o (este sim, muito falado) «desvio de ajuda humanitária» pelo Hamas, Philippe Lazzarini desmente-o. Do que se trata – «testemunhei-o em primeira mão» – é que as pessoas param os camiões de ajuda para levar a comida. É esta a dimensão do seu desespero – e da sua fome. Contra ela não bastam 100 ou até 200 camiões por dia, mas um fluxo «significativo, em escala, ininterrupto e incondicional de produtos básicos». Ou, por outras palavras, o fim do cerco.

Na região, contou também, «nenhum lugar foi poupado, nem mesmo os que estariam protegidos pelas leis da guerra». Só as instalações da UNRWA foram atingidas cerca de 150 vezes, apesar de serem conhecidas as suas coordenadas: mais de 270 pessoas foram mortas, entre as quais 135 funcionários da organização, e os feridos ascendem a um milhar. Muitos sobreviventes optaram por lá ficar, mesmo em abrigos destruídos, pois «não há absolutamente nenhum lugar para ir».

Em Gaza, revelou ainda, «as pessoas acreditam que as suas vidas não valem o mesmo que as outras e que os direitos humanos e o direito internacional humanitário não lhes são aplicados», sentem-se traídas e abandonadas. Porém, como todas, «só querem ter uma vida normal».

Este é apenas um testemunho do inferno que é hoje a Faixa de Gaza graças aos crimes do agressor sionista. Credível, isento, objectivo, acessível – e apesar disso praticamente escondido dos noticiários e das manchetes no democrático mundo ocidental.




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