Portugal trancado

Vasco Cardoso

A primeira missão ao estrangeiro da nova representante da Administração dos EUA para o Comércio e Negócios, a senhora Sarah Morgenthau, foi em Portugal. Não veio anunciar ou propor algum investimento. Não veio conhecer nenhum projecto, empresa ou sector nacional. Veio deixar um aviso. Segundo o Público, Washington «opõe-se a scanners chineses no Porto de Lisboa», ou como disse a senhora SM a este jornal, «é uma decisão que cabe a Portugal», mas «é preciso garantir que a escolha não recaia em tecnologia fornecida por empresas oriundas de países autoritários» como a «China, a Rússia ou o Irão».

Não se pense que é a primeira vez que os EUA têm este tipo de atrevimento. Entre o que se passa por debaixo da mesa e o que é público, são inúmeras as pressões e as chantagens. A última das quais, bem visível até, incluiu uma visita de um «emissário» de Donald Trump – Mike Pompeu – a Portugal. O alvo foram as redes 5G (telecomunicações) e a exclusão de países que não integram a NATO, a UE ou a OCDE – como o Brasil, a Índia ou a China – do fornecimento desta tecnologia. O desfecho, na altura, foi o da submissão do País a essa pressão, com atrasos e prejuízos estimados em cerca de 1000 milhões de euros. Desconfia-se que agora não será diferente. O respeitinho é muito bonito.

De certa forma, é notável como é que os principais promotores da chamada «livre concorrência», da liberalização dos mercados e da globalização capitalista, são os que agora, confrontados com a emergência de outros, pugnem pelo contrário. Mas o mais chocante é o facto de um país como Portugal, que tem fluxos comerciais, científicos e culturais e relações históricas há mais de 5 séculos com povos espalhados pelos quatro cantos do mundo, se deixe aprisionar por interesses que não são seus.

Esta é uma das grandes questões que se continua a colocar perante um mundo em acelerada mudança. O País deve diversificar, e não afunilar, as suas relações externas que se devem pautar por critérios de soberania e independência nacional, respeito mútuo e cooperação. Tal como diz a Constituição da República, Portugal deve promover «a cooperação com todos os outros povos para a emancipação e o progresso da humanidade». Mas para o PS ou para o PSD (Chega e IL) o que é que vale a Constituição perante os interesses dos EUA?!




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