Ideologia e genética

Filipe Diniz

Para os fascistas de há um século (face aos actuais, exprimiam-se em geral com mais franqueza), o «outro», de outra «raça», era não só inferior enquanto espécie mas também ideologicamente oposto. Estar-lhe-ia na massa do sangue. Quem leia ideólogos da época depara-se com expressões como «comunismo asiático», «conspiração judaico-bolchevique» (cunhada por Rosenberg), já para não falar do «perigo amarelo» e de outras do mesmo calibre.

Para o racismo, «o outro» não só é radicalmente diferente e oposto como possui, enquanto grupo, características atávicas generalizadas e permanentes. O «grupo outro» seria sempre homogéneo e uma contraposição radical: de «espécie», ideológica, religiosa, moral.

Hoje assiste-se ao mesmo, mas igualmente invertendo os termos. Por exemplo nas várias tentativas de negar a natureza nazi-fascista do regime instalado em Kiev com o argumento de que Zelensky «é judeu», e portanto não pode ser nazi. Como se a etnia e a genética determinassem uma ideologia. Mesmo rodeado pelos mais fanáticos nazis banderistas, seria geneticamente imune. E argumento semelhante surge em tentativas de dar cobertura ao genocídio sionista em Gaza.

Não vale a pena insistirem. Primeiro, porque nenhuma ideologia (e muito menos uma autoridade moral) poderia ser geneticamente impressa. Depois porque o que acontece são circunstâncias históricas e relações de dominação que convertem alguns perseguidos de ontem em genocidas de hoje. Que convertem gente antes racialmente discriminada em racistas capazes de ver «animais humanos» em homens, mulheres e crianças seus semelhantes.

O que é sinistro em muita da formulação ideológica dominante no bloco EUA/NATO/UE não é tanto a irracionalidade da argumentação. É que tomem essa argumentação como credível. Porque qualquer um entende: quem age como fascista e genocida é isso mesmo, seja qual for a sua etnia.




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