À direita da esquerda
Haverá poucos conceitos tão debatidos quanto os de esquerda e direita (politicamente falando, claro). Surgidos na Revolução Francesa, em torno da atitude face ao rei e à religião, e do lugar ocupado por cada uma das facções na Assembleia Nacional, enquadram deste então ideologias, partidos e movimentos. A separá-los estão, historicamente, questões relacionadas com a organização económica e social, a relação entre o individual e o colectivo, as desigualdades, a democracia, os direitos e as liberdades, o progresso e a paz. Entre outras, porventura não menos relevantes.
Se é certo que os conceitos não são imutáveis e que serão muitos os matizes e por vezes pouco claras as fronteiras, importa que haja um consenso mínimo acerca do que significam, para que a sua utilização clarifique mais do que eventualmente possa confundir. Sobretudo quando se aproximam eleições legislativas e, com elas, as habituais ou renovadas mistificações e as sempre apetecíveis, embora poucas vezes certeiras, dicotomias.
Fixemos, então, uma separação o mais clara que nos for possível entre esquerda e direita, que não se fique pela forma e pelas aparências, mas que atente nos conteúdos. E que, para lá de declarações mais ou menos inflamadas, se centre nas opções e sobretudo em quem delas beneficia: uma ínfima minoria de poderosos, no caso da direita; a grande maioria que vive do seu trabalho, se for a esquerda. Se haveria outra forma de olhar para isto? Seguramente que sim, mas escolhemos esta, bem mais sólida – e útil! – do que muitas outras que por aí andam.
Olhemos então, sob este prisma, para algumas dessas opções, tomando como exemplo as que foram assumidas durante o recente debate orçamental.
O PCP propôs a fixação e redução do preço dos combustíveis, para defender condições de vida e combater a especulação: o PS votou contra, ao lado de PSD, Chega e IL, optando pela defesa das grandes petrolíferas (só a GALP arrecadou, em 2021, 2022 e parte de 2023, mais de 3300 milhões de euros de lucro). O mesmo que fizeram, aliás, quando foi proposto o controlo de preços do cabaz alimentar, beneficiando assim os grupos da grande distribuição.
Também quando o PCP quis revogar benefícios fiscais ao capital financeiro, garantir que os lucros gerados em Portugal são cá taxados e criar uma contribuição adicional sobre os lucros extraordinários dos grupos económicos e uma taxa adicional sobre transações para paraísos fiscais, lá estiveram, a impedi-lo (entre votos contra e abstenções), o PS, o PSD, o Chega e a IL. E esta é só a ponta do icebergue...
Esquerda, direita… Nesta sempre difícil busca de significados, uma coisa sabemos: em questões essenciais, o PS está muito (por vezes mesmo muito) à direita da esquerda.