Currículo tenebroso

Cristina Cardoso

Os povos já impuseram pesadas derrotas ao imperialismo

O massacre do povo palestiniano continua. Depois da chamada pausa humanitária e da troca de detidos, Israel avança implacavelmente para o Sul da Faixa de Gaza, encurralando mais de 2 milhões de palestinianos e destruindo tudo… e todos. Uma atroz agressão filmada e projectada em directo que nos sangra os olhos e o coração e rompe as réstias de humanidade pela qual milhões clamam por todo mundo. Escreve-se assim mais um episódio sangrento da história de ocupação por parte de Israel, do qual ainda não alcançamos toda a sua dimensão, nem adivinhamos o seu fim.

Morreu, neste tempo de obscuridade, Henry Kissinger, antigo secretário de Estado dos EUA, criminoso de guerra, orquestrador de chacinas, arquitecto do legado anticomunista, «fiel de armazém» do imperialismo norte-americano. A vida deste sujeito não foi «controversa», como é descrita nos obituários dos media do capital; foi, sim, dedicada à defesa dos interesses do imperialismo norte-americano à custa da morte e sofrimento de milhões de seres humanos.

Kissinger foi co-responsável pelo prolongamento da guerra no Vietname e pelos bombardeamentos massivos no Camboja, entre 1969 a 1973, com consequências que perduram até hoje. Em 1971, não hesitou em apoiar o governo paquistanês na sua campanha de extermínio contra a população do Bangladesh, durante a sua guerra de independência. Apoiou o sanguinário general Suharto, da Indonésia, quando este invadiu Timor Leste, sendo co-responsável pela morte de 200 mil timorenses.

Sob o seu comando, na América Latina os EUA patrocinaram o golpe fascista no Chile, levando à morte do presidente Salvador Allende e instituindo a ditadura de Augusto Pinochet, apadrinharam a ditadura na Argentina, orquestraram a sinistra Operação Condor no Brasil, Bolívia, Argentina, Uruguai, Paraguai, que deixou um rasto de repressão política, violência, torturas, assassinatos e desaparecimentos por todo o continente.

Na Europa, apoiou o golpe fascista na Grécia, a invasão de Chipre pela Turquia resultando na ocupação ilegal e divisão do país, que se mantém 50 anos depois, e em Portugal conspirou e arregimentou os serviços secretos norte-americanos da CIA contra a Revolução de Abril.

No Médio Oriente, Kissinger ajudou a transformar Israel num importante aliado dos EUA durante as presidências de Nixon e Ford, armando a força ocupante até aos dentes durante o guerra de 1973, a fim de «evitar uma vitória árabe» e garantir a perpetuação da colonização israelita das terras palestinianas nas décadas seguintes.

Falamos de uma personagem com um currículo tenebroso, cujas políticas sangrentas abriram caminho para as guerras intermináveis do imperialismo, deixando uma profunda marca na actual politica externa dos EUA, de confronto com os povos que ousam levantar a bandeira da soberania, da independência e do progresso social. Republicanos e democratas uniram-se na hora da sua morte, como se unem na hora de apoiar as guerras em curso, em particular a chacina na Palestina. Por cá, o Presidente da República correu a apresentar as condolências e a fazer elogios…

Perante a violência, a guerra e o horror, resta-nos a arma da verdade, a heróica resistência dos povos que, na História, já impuseram pesadas derrotas ao imperialismo e avanços na luta pela paz, soberania, democracia e progresso social.




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