Não
Não aplicarão sanções contra Israel. Não enviarão armas para a Autoridade Palestiniana. Não emitirão um mandado de detenção internacional para Netanyahu.
Não condenarão o genocídio dispensando contextualizações. Não dirão sequer que é genocídio.
Não invocarão o «Direito Internacional», seja lá isso o que isso for. Não dispensarão uma investigação internacional que determine ao certo o que aconteceu. Não dirão a palavra «invasão». Não se coibirão, vejam bem, de usar a palavra «intervenção». Não farão comparações incómodas.
Não lhes parecerá errado escrever que os palestinianos «morrem» e os israelitas «são mortos». Não haverá visitas de chefes de Estado a Gaza. Não haverá Gaza. Não censurarão quem assim o quiser. Não chamarão «propaganda israelita» a quem depois vier dizer que Gaza se auto-destruiu.
Não convidarão dois membros do Hamas para, diariamente, desmontarem na SIC a referida propaganda israelita. Não terão vergonha de, quando a Palestina um dia for livre, dizer que sempre defenderam o fim da ocupação.
Não faltarão desta feita apelos sinceros à via das negociações. Não se falará em oligarcas israelitas. Não se discutirá longamente o historial de invasões, crimes de guerra, atropelos dos direitos humanos e violações do Direito internacional no cadastro de Israel.
Não ficarão bem bandeirinhas palestinianas nas fotos dos famosos. Não terá nada a ver. Não serão ucranianos nem nossos aliados. Não serão tão loiros nem tão europeus. Não serão quiçá assim tão humanos. Não dirão isto com tanta franqueza.
Não se cansarão de nos mostrar aquele vídeo do festival de música electrónica à beira de um campo de concentração como prova de que, na realidade, isto não começou bem com, nas palavras de António Gedeão, um pássaro de alumínio amassando na mesma lama de extermínio os ossos dos homens e as traves das suas casas.
Não terão insónias quando forem dormir. Não lavarão sequer as mãos sujas de sangue antes de se sentarem connosco à mesa. Não nos pedirão desculpa. Não admitirão a indesculpável hipocrisia com que relativizam o abominável e contemporizam o terror. Não lhes ocorrerá Guernica.
Não conhecerão a lenda dos dois agentes da Gestapo que um dia bateram à porta do estúdio de Picasso na Paris ocupada e perguntaram ao pintor, apontando para um postal com uma reprodução do Guernica, «Foi você que fez isto?!». Não saberão naturalmente como lhes terá respondido Picasso: «Não, foram vocês!». Não sonharão, porque não sonham, que um dia também a História os acusará da mesma forma: «Foram vocês!» — que se calaram, que se esconderam, que se venderam, mas os comunistas não.