Fim à agressão ao povo palestiniano
Tropas israelitas continuavam, na terça-feira, 17, a bombardear a Faixa de Gaza, matando e ferindo milhares de palestinianos, arrasando habitações, hospitais, escolas e outras estruturas civis. A Autoridade Palestiniana fala em «genocídio e limpeza étnica».
Israel está a levar a cabo a limpeza étnica da Faixa de Gaza, acusa a Autoridade Palestiniana
Além dos bombardeamentos contra a população palestiniana, Telavive cercou o enclave palestiniano – cortando o fornecimento de água e electricidade e impedindo o abastecimento de alimentos e medicamentos – e ordenou à população do norte de Gaza, calculada em 1,1 milhões de pessoas, que se retirasse em 24 horas para o sul do território. Ali, o único posto fronteiriço com o Egipto, em Rafah, continua encerrado, sendo alvo de bombardeamentos de Israel que não permite a entrada de ajuda humanitária.
A decisão do governo de Benjamim Netanyahu de expulsar um milhão e 100 mil palestinianos do norte da Faixa de Gaza para o sul é um crime de guerra e contra a humanidade, acusou o deputado israelita Ofer Cassid. «Deportar civis dos seus lares (limpeza étnica) é um crime de guerra, disparar contra os civis que fogem para salvar as suas vidas do terror das bombas “purificadoras” é um crime contra a humanidade», escreveu. Pedindo que cesse a guerra, garantiu que «não há um caminho militar, apenas uma via política».
O deputado, eleito no parlamento israelita pela Frente Democrática para a Paz e a Igualdade (Hadash) e membro da direcção do Partido Comunista de Israel (PCI), rejeitou os ataques contra a população, assinalando que não têm nenhuma justificação. «Seja quem for que entre numa povoação civil e dispare contra pessoas inocentes, queime famílias e instigue matanças em massa é escória humana, inimigo da humanidade, e não importa qual seja a sua identidade nacional ou religiosa», realçou.
Ofer Cassid lembrou que o seu partido já tinha alertado para a possibilidade do agravamento da situação se o governo israelita, de extrema-direita, continuasse a ocupação dos territórios palestinianos. E reiterou a condenação e oposição dos comunistas israelitas a ataques contra as populações, sejam israelitas ou palestinianas, acusando o governo de Telavive de «apoiar, encorajar e dirigir» chacinas contra os palestinianos, e de estar em curso uma «limpeza étnica».
Acusações de genocídio e limpeza étnica na Faixa de Gaza
Em Ramala, na terça-feira, 17, o Ministério dos Negócios Estrangeiros palestiniano acusou Israel de cometer um genocídio e uma limpeza étnica na Faixa de Gaza, alvo de uma vaga de bombardeamentos que causaram, até esse dia, muitos milhares de mortos e feridos.
A Autoridade Palestiniana condenou, num comunicado, os ataques israelitas contra habitações, centros de saúde, equipamentos de imprensa, escolas, universidades e outras instalações civis. «O Estado ocupante continua com o crime de limpeza étnica e para isso utiliza armas proibidas para desfazer-se dos palestinianos que vivem nesse enclave», afirmou. Além disso, denunciou «as matanças massivas cometidas por aviões israelitas durante 24 horas por dia e o cenário de destruição completa e catástrofe humanitária por toda a parte». Mais: «As acções israelitas não têm nada a ver com o seu direito a defender-se, procuram destruir de maneira total a presença palestiniana na Faixa».
Também o primeiro-ministro palestiniano, Mohammad Shtayyeh, acusou Telavive de cometer genocídio e impulsionar uma limpeza étnica com os seus bombardeamentos. O responsável denunciou que, entre as vítimas mortais palestinianas contam-se 800 menores de idade e 500 mulheres. Cada uma dessas pessoas tinha uma história e uma vida, não são «animais humanos», acentuou, numa alusão à inaceitável expressão usada pelo ministro da Defesa israelita, Yoav Gallant.
Shtayyeh repudiou a «ordem» de Israel a mais de um milhão de palestinianos no norte de Gaza para que abandonem as suas casas e fujam para o sul. Assegurou que o povo palestiniano não abandonará a sua terra e que, por muito duros que sejam os sacrifícios, serão enfrentados. Calcula-se que haja já, na Faixa de Gaza, mais de um milhão de pessoas deslocadas devido aos bombardeamentos israelitas.
O primeiro-ministro palestiniano apelou a uma intervenção urgente no plano internacional. O mundo deve deter a agressão israelita e assegurar a protecção da população palestiniana e impedir a sua deslocação forçada, insistiu.
A par do massacre em curso na Faixa de Gaza – que poderá ser agravado ainda com a anunciada incursão terrestre –, as forças israelitas aumentaram a repressão na Cisjordânia, bombardearam uma vez mais os aeroportos de Damasco e Alepo, na Síria e continuam a impedir a entrada de auxílio de emergência – medicamentos e alimentos, sobretudo – na Faixa de Gaza, pela fronteira com o Egipto, ou a permitir o estabelecimento de corredores humanitários, reclamados por diversas entidades, incluindo a Organização Mundial de Saúde.
Posicionamentos diversos
No plano internacional, multiplicam-se nos últimos dias as declarações a favor da paz, por parte de dirigentes de diversos países e organizações, da China e Rússia ao Brasil – que preside neste momento ao Conselho de Segurança –, da Liga Árabe, Organização da Conferência Islâmica e União Africana à Arábia Saudita, Qatar, Jordânia, Egipto ou Turquia.
Os EUA, que garantiram a Telavive toda a ajuda militar necessária e despacharam para o Mediterrâneo Oriental dois porta-aviões e outros meios de combate, enviaram o secretário de Estado, Antony Blinken, para a região. O próprio presidente Joseph Biden deslocou-se ontem, quarta-feira, a Israel, em mais um sinal de apoio de Washington ao seu aliado no Médio Oriente, e deslocar-se-à à Jordânia onde estavam anunciados encontros com os mais alto responsáveis jordano, palestiniano e egípcio.
Entretanto após o bombardeamento, anteontem, dum hospital na Faixa de Gaza, com centenas de mortos, o presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, cancelaria o previsto encontro com Joseph Biden, e logo depois a Jordânia anunciou que ao contrário do que estava previsto já não receberia o presidente norte-americano.
Vozes, muitas, pela paz e pelo direito do povo
palestiniano à vida e à liberdade
São muitos os que, por estes dias, saem às ruas para defender o direito dos palestinianos à vida e à liberdade. Perante aquele que é já um dos mais brutais massacres cometidos contra a população da Faixa de Gaza, que permanece sem fim à vista, os povos e as manifestações de solidariedade fazem-se ouvir, em alguns casos desafiando proibições oficiais.
Milhares de pessoas saíram à rua em Berlim, Dusseldorf e Paris em apoio ao povo palestinianos, enfrentando as inaceitáveis repressão e proibições impostas pelas autoridades alemãs e francesas. Pelo mundo fora, de Damasco (Síria), Amã (Jordânia), Doha (Qatar), Sana (Iémen), Rabat (Marrocos) e Dhaka (Bangladesh) a Sydney (Austrália), imensas multidões ou muitos milhares de pessoas manifestaram nas ruas a sua solidariedade ao povo palestiniano.
Realizaram-se manifestações na capital dos EUA, Washington, como em Nova Iorque, Chicago, Los Angeles, São Francisco, Kansas City e Seattle. Na Europa, milhares de pessoas manifestaram-se com bandeiras da Palestina e cartazes pelas ruas de Londres, Bristol, Edimburgo, Liverpool, Cardiff. Mas também em Madrid, Milão, Bruxelas, Amesterdão ou Dublin.
Exigências para já e para sempre
Em todas estas acções exigiu-se, no imediato, o fim dos bombardeamentos, a entrada de ajuda humanitária e que não se concretize a ameaça de invasão terrestre daquele território exíguo e confinado entre o mar e o arame farpado, onde os mortos são já milhares, muitos dos quais são crianças, e há dias falta a água, a energia, os combustíveis, os medicamentos.
Mas estes apelos urgentes não são os únicos a serem escutados ou lidos – em cartazes, faixas ou bandeiras – nas múltiplas acções realizadas um pouco por todo o mundo. A estes somam-se outras exigências cuja concretização é essencial para que a violência acabe. Desde logo o fim da ocupação e de todos os seus instrumentos – os colonatos, os postos militares, a segregação, as prisões, as arbitrariedades e os crimes cometidos contra as populações palestinianas por militares e colonos israelitas.
Exige-se também o respeito dos inalianáveis direitos nacionais do povo palestiniano, com o cumprimento do direito internacional e das múltiplas resoluções das Nações Unidas relativas a esta questão, – consecutivamente desrespeitadas por Israel, com a cumplicidade e apoio directos dos EUA, da UE e da NATO – que determinam a criação do Estado da Palestina independente, soberano e viável, nas fronteiras de 1967 e com capital em Jerusálem oriental, garantindo o direito de retorno dos refugiados palestinianos.
Travar o massacre, pôr fim à ocupação
Portugal integrou esta corrente de solidariedade. Logo no dia 11, em Lisboa, realizou-se uma grande concentração promovida pelo CPPC, CGTP-IN e MPPM, sob o lema «Paz no Médio Oriente. Pelos direitos do povo palestiniano», o mesmo que norteou outra acção semelhante, realizada na terça-feira, 17, ao final da tarde, no Porto, sob chuva forte. Para ontem, já após o fecho da nossa edição, estava marcada nova concentração na capital, no mesmo local. Ao lema geral, que se mantinha, associou-se outra exigência: «fim à agressão a Gaza».
Nas intervenções proferidas, como em palavras de ordem entoadas ou inscritas em pancartas e faixas, garantia-se que «Palestina vencerá» e reclamava-se o fim da violência e a paz. Lamentava-se as vítimas inocentes – todas elas, israelitas e palestinianas, destes dias e de há décadas – e não se esqueceram os crimes cometidos por Israel: os massacres, as expulsões de populações, as prisões, o apartheid, a violência. Sobre a Faixa de Gaza, cercada há 16 anos, lembrou-se ser a própria ONU a considerar as condições de vida naquele território como «impróprias para sustentar a vida humana».
Da CGTP-IN veio a solidariedade «com um povo que não se rende, que não desiste de lutar pelo seu direito inalienável a um Estado independente e soberano» e a denúncia da segregação e discriminações que os trabalhadores palestinianos sofrem no seu dia-a-dia. O MPPM salientou que a vida «é incompatível com a humilhação» e «não suporta a injustiça», rejeitando que haja, naquela terra, «os que têm sempre tudo e os que estão condenados a nunca nada ter», «aqueles a quem tudo se justifica e os outros a quem tudo se cobrará».
O CPPC salientou que a «substituição dos processos políticos, assentes nas resoluções da ONU, pela negação brutal dos direitos do povo palestiniano, só pode conduzir ao agravamento da situação e a trágicos acontecimentos. Quem finge não ver e deixa impune a criminosa política de ocupação de Israel alimenta a escalada da violência e o perigo do seu alastramento no Médio Oriente».
Portugal, afirmou-se, está constitucionalmente obrigado a bater-se pela paz e a rejeitar o imperialismo, o colonialismo e qualquer forma de exploração e domínio nas relações entre os povos.