Caiu-lhes a máscara

Pedro Guerreiro

O bran­que­a­mento do nazi-fas­cismo não é novo

De­pois da fria re­cepção nos EUA, onde – ao con­trário do que se ve­ri­ficou an­te­ri­or­mente – não foi fa­cul­tada a pos­si­bi­li­dade de se di­rigir ao Con­gresso, eis que Ze­lensky in­tervém no par­la­mento ca­na­diano, na pre­sença de Tru­deau, pri­meiro-mi­nistro do Ca­nadá, tendo sido re­ce­bido com um au­tên­tico de­lírio apo­teó­tico.

A eu­foria foi tão grande que Ze­lensky, Tru­deau e todo o par­la­mento aca­baram a ova­ci­onar co­lec­tiva e sig­ni­fi­ca­ti­va­mente, de pé e por duas vezes, um ucra­niano-ca­na­diano membro da 14.ª Di­visão das Waffen SS nazis, apre­sen­tado como um «herói».

Pe­rante a ampla denúncia deste tão es­can­da­loso quanto cla­ri­fi­cador acto de glo­ri­fi­cação de um co­la­bo­ra­ci­o­nista nazi, se­guiu-se um ver­go­nhoso exer­cício de «passa culpas» e de ten­ta­tiva de des­res­pon­sa­bi­li­zação por parte da­queles que nele tão en­tu­si­as­ti­ca­mente par­ti­ci­param.

O bran­que­a­mento do nazi-fas­cismo e dos que com este co­la­bo­raram não é novo no Ca­nadá. Após o fim da Se­gunda Guerra Mun­dial, o Ca­nadá aco­lheu co­la­bo­ra­ci­o­nistas do nazi-fas­cismo, in­cluindo ucra­ni­anos in­te­grantes das Waffen SS, res­pon­sá­veis por he­di­ondos crimes. Aliás, os mem­bros da 14.ª Di­visão das Waffen SS, mai­o­ri­ta­ri­a­mente in­te­grada por fas­cistas ucra­ni­anos, sob co­mando nazi, en­con­traram no Ca­nadá um es­paço para a sua ar­ti­cu­lação no pós-guerra. Re­corde-se que, nos anos 80, as au­to­ri­dades do Ca­nadá pro­cu­raram bran­quear a 14.ª Di­visão das Waffen SS, ten­tando ilibá-la dos crimes co­me­tidos pelos nazis, no­me­a­da­mente na União So­vié­tica e na Po­lónia.

Re­corde-se ainda que o Ca­nadá, assim como os EUA, o Reino Unido e, em geral, os países in­te­grantes da NATO e da UE – in­cluindo Por­tugal – têm-se sis­te­ma­ti­ca­mente abs­tido ou vo­tado contra a re­so­lução apro­vada anu­al­mente pela As­sem­bleia-Geral das Na­ções Unidas sobre o com­bate à glo­ri­fi­cação do na­zismo, do ne­o­na­zismo e de ou­tras prá­ticas que con­tri­buem para ali­mentar as formas con­tem­po­râ­neas de ra­cismo, dis­cri­mi­nação ra­cial, xe­no­fobia e in­to­le­rância as­so­ciada.

A cum­pli­ci­dade das po­tên­cias ca­pi­ta­listas com o fas­cismo ve­ri­fica-se desde a origem deste, es­tando pa­tente no pe­ríodo que levou à eclosão da Se­gunda Guerra Mun­dial e pros­se­guindo no pós-guerra. A par­ti­ci­pação da di­ta­dura fas­cista por­tu­guesa como membro fun­dador da NATO e o seu apoio à guerra contra os povos afri­canos im­posta pelo re­gime co­lo­nial fas­cista por­tu­guês, é um entre tantos exem­plos desta cum­pli­ci­dade que teve ex­pressão em pra­ti­ca­mente todos os con­ti­nentes. É dessa cum­pli­ci­dade aberta ou en­co­berta do im­pe­ri­a­lismo com o fas­cismo que sur­giram as forças que hoje, em di­versos países do Leste da Eu­ropa – como na Ucrânia ou nos Es­tados bál­ticos – bran­queiam o nazi-fas­cismo e os seus crimes e glo­ri­ficam os que com ele co­la­bo­raram, ao mesmo tempo que des­troem os mo­nu­mentos e a me­mória dos sol­dados so­vié­ticos e per­se­guem os co­mu­nistas e ou­tros de­mo­cratas.

Veja-se como o im­pe­ri­a­lismo não he­sitou em re­correr a grupos fas­cistas e nazis para efec­tuar o golpe de Es­tado na Ucrânia em 2014 e impor um poder xe­nó­fobo e be­li­cista que, não se im­por­tando de sa­cri­ficar o povo ucra­niano, se as­sume como uma au­tên­tica tropa de choque da es­tra­tégia de con­fron­tação e guerra dos EUA.

Por muito que o pro­curem iludir, o ver­go­nhoso epi­sódio no par­la­mento ca­na­diano não foi um acto iso­lado, um erro ou um acaso, mas a ex­pressão de uma longa e ina­cei­tável co­ni­vência po­lí­tica.

 



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