Muito barulho para esconder o silêncio
O caso de Julian Assange, o jornalista australiano fundador do WikiLeaks que desde Abril de 2019 apodrece numa prisão inglesa, após sete anos asilado na embaixada do Equador, é paradigmático da hipocrisia reinante no jogo de espelhos da nossa sociedade «democrática». Acusado pela «Justiça» norte-americana de 18 crimes, espionagem incluída, por divulgar em 2010 mais de 700 mil documentos secretos relacionados com as guerras no Iraque e no Afeganistão, Assange enfrenta a extradição para os EUA e uma pena de até 175 anos de prisão. O aviso à navegação é claro: liberdade de imprensa sim, desde que... não pise os calos ao imperialismo.
A tibieza das reacções da classe no apoio a Assange deixou antever o pior. Era uma questão de tempo até o exemplo frutificar.
A semana passada, a polícia francesa deteve durante 40 horas Ariane Lavrilleux, colaboradora do jornal de investigação Disclose. A detenção e busca na casa da jornalista decorre da divulgação, em Novembro de 2021, de documentos confidenciais sobre uma misão envolvendo forças francesas em bombardeamentos contra civis no Egipto, entre 2016 e 2018, bem como sobre o negócio de venda de armas.
Não por acaso, em meados do ano a UE deu luz verde à instalação de programas de vigilância (spywares) em telefones e computadores de jornalistas em nome da investigação criminal de delitos não associados à segurança nacional, incluindo roubo, incêndio intencional e pirataria.
Como no caso de Assange, não é a veracidade da informação que está em causa, mas a divulgação da matéria de facto, dissonante do discurso oficial.
Mate-se pois o mensageiro e faça-se correr rios de tinta sobre o novo vídeo de Ronaldo ou as gafes de Marcelo. O que é preciso é muito barulho para esconder o silêncio em que agoniza a democracia.