Dizem que é nos países liberais

Vasco Cardoso

O golpe fascista no Chile precisa de ser mil vezes relembrado pela tragédia humana, social e económica que representou, pela brutal onda de violência que provocou milhares de mortos e horrorizou o mundo. Um golpe desenhado e posto em marcha pelo grande capital chileno e pelas multinacionais norte-americanas, com a administração dos EUA e a CIA a desempenharem um sinistro papel, num processo que levaria ao poder Augusto Pinochet e cujos impactos perduram até hoje.

Os fundamentos teóricos em que assentou esse golpe e a política económica que foi imposta constituíram uma espécie de ensaio geral, de laboratório, na aplicação brutal do neoliberalismo que hoje faz caminho em grande parte do mundo, dos governos às principais instituições do capitalismo, passando pela academia e pelos media. As suas velhas ideias, apresentadas sempre com rótulo de modernidade, aí estão novamente a ser profusamente difundidas em nome de uma espécie de «liberdade».

«É nos países liberais que os trabalhadores ganham mais», diz por aí um cartaz da Iniciativa Liberal. Ponham-se então os olhos no Chile e na receita que Pinochet – inspirado na cartilha dos chamados Chicago Boys* – impôs com mão de ferro àquele povo. Liberalização e privatização de empresas e sectores estratégicos, redução drástica e constitucional das funções sociais do Estado, regressão nos direitos sociais, repressão do movimento sindical, tudo isto em contraste com as possibilidades abertas pelo governo patriótico e progressista de Allende.

O pretenso «Milagre» da economia Chilena, como foi caracterizado por alguns dos seus principais entusiastas (Milton Friedman), traduziu-se, de facto, num empobrecimento geral das massas trabalhadores, no brutal endividamento das famílias e do país, no saque das riquezas pelos EUA, em quebras no PIB, na concentração da riqueza nas mãos de uns poucos, no atraso e subdesenvolvimento que ainda marca aquela sociedade. Uma política que só pode ser concretizada pela brutal repressão, violência e morte que se abateu sobre a pátria de Neruda.

Tal como lembrou Paulo Raimundo na iniciativa que o PCP promoveu para assinalar os 50 anos do golpe fascista, o neoliberalismo é incompatível com a democracia e é «servindo os interesses dos grupos económicos, e nunca agindo contra eles, que o fascismo se alicerça e desenvolve o seu poder». Quando virem o tal cartaz dos «países liberais» por aí lembrem-se do Chile!

 

*Grupo de jovens economistas Chilenos, formado nos EUA, que formularam a política económica de Pinochet




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