Aversão visceral
A reacção tem há muito uma visceral aversão aos defensores da paz e aos seus movimentos. Coloca-os entre os principais inimigos e percebe-se: o capitalismo, na sua fase actual, tem sempre a guerra como útil recurso.
Essa aversão exprime-se de muitas formas e o historial é, em geral, bem sombrio. Um leque que passa por todos os registos: da caricatural atribuição do Nobel da Paz a Obama ao desprezivo tratamento de «peacenick» aos opositores da guerra do Vietname, a outras formas muito mais violentas de ataque.
Após a golpada do incêndio do Reichstag, em 28 de Fevereiro de 1933, três organizações são de imediato proibidas pelos nazis: o Partido Comunista da Alemanhã, a Sociedade Alemã para a Paz (Deutsche Friedensgesellschaft) e o Partido Social-Cristão do Reich (Christlich-Soziale Reichspartei), próximo desta. Quando do monstruoso auto de fé de 10 de Maio desse ano são sobretudo queimados livros dos pacifistas de Weimar.
Por cá a questão – que está longe de ser recente – exacerbou-se a um nível sem precedentes com o conflito na Ucrânia. Deu a alguma gente o ambiente e a oportunidade de associarem o ódio à causa da paz, a um anticomunismo pavloviano. Pacheco Pereira, intelectual orgânico do novembrismo, é um caso de estudo. Já se sabia que estando em causa os principais santos da sua devoção – os EUA e a NATO – PP perde as estribeiras. E com elas perde a racionalidade e qualquer sombra de honestidade intelectual. Escreve (Sábado, 7.09.23), depois de outras enormidades: «[o PCP] fala de “Paz” como se a palavra lhe pertencesse e tivesse qualquer autoridade a usá-la», como se a questão não tivesse uma muito maior – e ainda mais perigosa – dimensão. Passou-se. E assim ficou mais instalado entre as piores das más companhias.