Afinal começou em 2014

Cristina Cardoso

A «voz do dono» vai dando cartas

Mais de um ano e meio depois, com milhares de mortos de ambos os lados, continuamos a assistir à verborreia bélica como se de um «novo normal» se tratasse. Mais despesas militares, mais expansão da NATO, mais armamento, tudo repetido até à exaustão. Sob a capa da defesa da Ucrânia, da Europa e da segurança no mundo, instiga-se uma guerra e o seu prolongamento, independentemente das suas dramáticas consequências e sérios perigos não só para os povos ucraniano e russo, como para todos os povos da Europa e do mundo.

Uma guerra que alimenta o complexo industrial militar, em particular dos EUA, que vive comodamente a agigantar os seus lucros, marimbando-se para a destruição, a morte e o sofrimento que cria, não fosse este complexo um dos maiores símbolos da desumanidade do sistema capitalista, que aposta na continuação e escalada da guerra sem quaisquer escrúpulos.

Segundo o Instituto Internacional de Pesquisa Para a Paz de Estocolmo (SIPRI na sigla em inglês), em 2022 os gastos militares no mundo cresceram pelo oitavo ano consecutivo, atingindo um máximo histórico de 2240 mil milhões de dólares, tendo sido o aumento mais acentuado nas despesas observado na Europa – cerca de 13%, o aumento anual mais elevado verificado em pelo menos 30 anos.

Pela vontade anunciada por alguns, adivinha-se que o balanço dos próximos anos seja bastante superior ao de 2022, no que toca a gastos militares, quando, por exemplo, temos a Polónia a anunciar acordos com a norte-americana Lockheed Martin (empresa n.º 1 do ranking do SIPRI das 100 maiores empresas produtoras de armas e serviços militares do mundo, de acordo com as vendas de armas em 2022) para adquirir e produzir 500 lançadores Himars, quando é anunciado o maior exercício militar da NATO desde da Guerra Fria com forças alemãs, polacas e dos países Bálticos para o inicio de 2024, ou quando o Secretário-Geral da NATO, Stoltenberg, volta a apelar, no Parlamento Europeu, para o aumento de 8% (!!!) nas despesas militares dos Estados-membro deste bloco político-militar belicista.

Neste fio condutor da guerra, é bom chamar a atenção (coisa que muito poucos o fizeram) para uma esclarecedora entrevista de Stoltenberg ao Washington Post, em Maio deste ano, em que o Secretário-Geral da NATO afirma, com todas as palavras, que a guerra não começou em 2022, mas sim em 2014... que, desde então, a NATO reforçou os orçamentos militares, reforçou a presença militar nas fronteiras com a Rússia... que os EUA, Canadá e Reino Unido têm treinado as forças ucranianas desde 2014...

É adicionar a estas afirmações as confissões de Victoria Nuland, em 2014, sobre o investimento dos EUA de cinco mil milhões de dólares para o golpe de Estado na Ucrânia, às palavras de Merkel e Hollande sobre os Acordos de Paz de Minsk, que segundo estes serviram apenas para dar tempo à Ucrânia para ser armada e preparada para a guerra e temos a trama completa sobre a instrumentalização da Ucrânia, que perdura nos dias hoje, para a estratégia de confrontação dos EUA, NATO e UE contra a Rússia. Uma estratégia que, nas palavras de Stoltenberg, na mesma entrevista, vai mais além, deixando claro o possível envolvimento da NATO num confronto dos EUA com a China, com Taiwan como pano de fundo.

A «voz do dono» vai pondo as cartas em cima da mesa, gozando da impunidade mediática dos tempos de «pensamento único». No entanto, cá estará o PCP para denunciar o papel dos EUA, NATO e UE na guerra, para lutar contra o militarismo, para afirmar a paz como o único caminho que interessa aos povos, para contribuir para o reforço da frente anti-imperialista.




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