As provas e as ajudas
Os EUA anunciaram na semana passada o envio de munições com urânio empobrecido para a Ucrânia, onde serão utilizadas nos carros de combate Abrams (também eles norte-americanos). Revestidas por este metal denso derivado do processo de enriquecimento de urânio, estas munições são particularmente eficazes na perfuração de blindagens – e, também, potencialmente nocivas para a saúde pública e para o meio-ambiente.
Perante este anúncio, as grandes cadeias mediáticas ocidentais logo replicaram a garantia deixada pela porta-voz do Pentágono, Sabrina Singh, de que «não há provas» que o urânio empobrecido provoque cancros ou outras doenças graves. E ficaram-se por aí, optando por ignorar aquela que é uma realidade incómoda: nas ocasiões em que foi massivamente utilizado (no Iraque, em 1991 e novamente em 2003, e na antiga Jugoslávia, em 1999), o urânio empobrecido deixou um rasto de doença e de morte difícil de disfarçar – e, mais ainda, de atribuir a uma qualquer coincidência.
Múltiplos estudos e relatórios, elaborados por investigadores e institutos de natureza diversa, têm vindo a relacionar o uso de urânio empobrecido com o aumento da incidência de diversos tipos de cancro, de patologias renais e digestivas, de desordens neurológicas, de malformações e de infertilidade, tanto entre as populações iraquianas, sérvias e kosovares como em militares norte-americanos e de outros países da NATO: a Síndrome do Golfo e, mais tarde, a Síndrome dos Balcãs, que afectaram e afectam ainda milhares de veteranos de guerra, estão muito provavelmente relacionadas com a exposição à radiação libertada na sequência do uso deste tipo de munições. Aliás, a autópsia realizada ao militar português Hugo Paulino, que morreu no ano 2000, pouco depois de regressar de uma missão no Kosovo, admitia mesmo essa possibilidade.
Muito embora a ligação entre o urânio empobrecido e as duas síndromes nunca tenha sido reconhecida oficialmente pelos EUA, foram aí criados diversos organismos de investigação e de apoio aos militares afectados, cuja acção – e conclusões – apontam precisamente nesse sentido. E não será seguramente por acaso que a Assembleia-Geral das Nações Unidas defendeu, em 2007, uma moratória à utilização destas munições e que o Parlamento Europeu adoptou, no ano seguinte, uma resolução propondo a sua proibição global.
Que se prefira gabar as qualidades destas munições no campo de batalha e ocultar a sua dramática herança (o ciclo de vida do urânio mede-se em milhares de anos) é já de si revelador de um jornalismo aprisionado. Que se chame a isto «ajuda» não passa de subserviência: é que tal como as bombas de fragmentação, também o urânio continuará a matar muito para lá do calar das armas.