Ninguém disse que o canto do cisne seria uma canção de embalar

António Santos

O ex-presidente dos EUA, Donald Trump, tem até ao próximo dia 25 para se apresentar voluntariamente às autoridades do Estado da Geórgia, fez saber a procuradora-geral do Estado sulista, para ser detido por tentativa de subversão das eleições de 2020. Trata-se do mais recente de quatro processos judiciais em que o magnata é arguido. No total, Trump enfrenta já 91 acusações criminais e arrisca mais de 700 anos de prisão. Conspiração democrata ou justiça? Um pouco dos dois, mas sobretudo um terceiro.

Numa sociedade de classes toda a justiça é a justiça da classe dominante. E a classe dominante estado-unidense está apavorada: o império esboroa-se, incapaz de conter o crescimento de novas potências ou de intimidar os antigos vassalos; a economia decadente arrasta-se de crise em crise, viciada em dívida e na impressão de dinheiro; o descontentamento popular é generalizado, fundo e volátil. Neste quadro, não é de estranhar que o capital olhe com inquietação para Trump, personificação da volatilidade e da decadência. O egocentrismo de Trump, o seu desprezo pela lei burguesa, a sua alergia às organizações internacionais, a sua antipatia pelos burocratas de Washington, a sua demagogia sem guião e a sua capacidade de polarizar o clima político constituem um risco que o regime estado-unidense não se pode dar ao luxo de correr nesta fase. Nem por amor à democracia, nem à independência dos tribunais.

Subsistem franjas do capital estado-unidense, sobretudo nas esferas do capital industrial, que mantêm a aposta em Trump. São os que suspiram por uma solução de tipo bonapartista ou proto-fascista para a crise capitalista: violência racista, perseguição dos comunistas, destruição das funções sociais do Estado e aumento das repressivas, reconfiguração do império e da NATO, preparação para a guerra contra a China sem passar pela Rússia, etc. No entanto, o amplo consenso capitalista é que Trump seria, antes de mais, um grave catalisador da luta de classes e da decadência da hegemonia do império.

Enredar o ex-presidente numa teia de acusações, por mais ou menos verdadeiras que sejam, é a única forma de garantir a duplicação da actual administração em mais um mandato: uma aposta na estabilidade política interna e na continuidade da estratégia imperial que certamente não livra os EUA da decadência histórica, mas permite ganhar tempo.

A complexa campanha contra Trump deu um novo significado à sua campanha: torna-se claro que a única forma de evitar a prisão é ser eleito presidente e forçar o Departamento de Justiça a arquivar três dos quatro processos e, se necessário, auto-perdoar-se de quaisquer outras condenações federais. Para o fazer, procura agora adiar todos os prazos judiciais e os julgamentos para além das eleições de 2024. Sobrará sempre o processo por subversão das eleições no Estado da Geórgia: para esse não há solução presidencial. Contudo, apesar das gravíssimas acusações, Trump continua a levar uma vantagem de mais de 40 por cento sobre o seu rival mais próximo dentro do partido republicano.

Se Trump for eleito, condenado, ou preso, todas elas possibilidades sérias, estalará uma crise constitucional que abrirá a caixa de Pandora da guerra civil de 1861-1865. A total ausência de precedentes históricos é o paroxismo de uma doença histórica cujos sintomas mórbidos já ninguém controla totalmente. Os espasmos serão cada vez mais insólitos e violentos, mas ninguém disse que o canto do cisne seria uma canção de embalar.




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