340 mil vitórias na UPS
É tão vitoriosa uma luta feita como uma luta que não se chegou a ter de fazer. Que o digam os 340 mil trabalhadores estado-unidenses da United Parcel Service, mais conhecida por UPS. Depois de uma ameaça de greve, aprovada em referendo por 97 por cento dos trabalhadores, os motoristas, operadores e administrativos da maior empresa de logística e entregas do mundo estavam prontos para paralisar por tempo indeterminado. Seguiu-se uma enorme pressão política, em que se insere a carta endereçada pela Câmara do Comércio ao presidente Biden, para que a Casa Branca proibisse a greve na UPS — à semelhança, aliás, do que já tinha feito aos trabalhadores ferroviários há um ano. Mas não foi assim: a menos de uma semana da caducidade do contrato, o patrão cedeu em toda a linha.
O novo contrato colectivo, que custará mais 30 mil milhões de dólares do que o anterior, prevê a eliminação do primeiro escalão da tabela salarial, um aumento de 48 por cento para os trabalhadores em part-time, a contratação de 7500 trabalhadores em full-time, a proibição do trabalho extraordinário forçado, a instituição de novos feriados, como o dia de Martin Luther King Jr., aumentos salariais históricos na remuneração do trabalho à hora, que chegam a 59 por cento e a instalação de sistemas de ar condicionado em todas as carrinhas de entregas. «Lutámos pelo melhor contrato de sempre e conquistámos o melhor contrato de sempre», sintetizou Sean O’Brien, o presidente dos Teamsters, o sindicato por organizou e conduziu a luta.
Contribuíram decisivamente para esta vitória a unidade, a firmeza e a combatividade dos trabalhadores: foram feitas manifestações e centenas de «ensaios de piquete» em que se praticou o encerramento das instalações e o impedimento de entrada de fura-greves o que permitiu ao sindicato sentar-se à mesa das negociações numa posição de força, apresentando exigências tão altas como justas.
A vitória na UPS reveste-se de um amplo significado político para o proletariado estado-unidense. Mostra a toda a classe que a luta, e especificamente a greve, é a principal fonte de aumentos salariais e direitos laborais nos EUA, abrindo assim caminho aos sindicatos em empresas semelhantes à UPS nos problemas, nos lucros e no número de trabalhadores, como é o caso da Amazon.
Por outro lado, o novo contrato nunca poderá ser mais do que uma curta trégua entre exploradores e explorados: a caducidade dos contratos colectivos dá-lhe uma vida de apenas 5 anos, após os quais todas as conquistas se evaporam automaticamente. Mais ainda, muitas das exigências dos trabalhadores da UPS ficam, apesar desta importante vitória, sem resposta: o trabalho part-time continuará a ser estrutural para o funcionamento da empresa; os lucros continuam a anos-luz de se reflectirem devidamente nos salários e muitos feriados nacionais, como o 19 de Junho, continuarão a ser dias de trabalho na UPS. Talvez por isso sejam tão importantes as 340 mil conquistas que ainda não foram mencionadas: 340 mil cabeças que viveram esta luta e aprenderam com ela; 340 mil aulas de economia política; 340 mil processos individuais de consciencialização e organização de classe. Uma vitória colectiva faz-se de muitas vitórias individuais, que seguem caminhos diferentes e infinitamente complexos, imprevisíveis como o futuro.